Por André Garcia
Uma década após sua criação, por meio da regulamentação do Código Florestal, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda mostra pouca efetividade no combate a crimes ambientais. Caracterizado pela autodeclaração, o sistema concentra uma série de falhas que resultam em fraudes de dados e sobreposições de propriedades privadas a áreas protegidas, aumentando as brechas para o avanço do desmatamento.
Ao Gigante 163, o pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenador técnico do Cerrado no MapBiomas, Dhemerson Estevão Conciani da Costa, falou sobre o assunto, que ganha destaque na Semana Mundial do Meio Ambiente.
“Na prática, desmatadores têm aproveitado da autodeclaração para fraudar o cadastro, seja omitindo áreas de vegetação nativa – como mecanismo para evitar a possível responsabilização por futura supressão – seja declarando posse sobre áreas em litígio fundiário, como estratégia de grilagem.”
Para se ter ideia, até hoje somente 2% das informações autodeclaradas tiveram análises concluídas pelos órgãos responsáveis em todo o País, segundo estudo Climate Policy Initiative, instituição afiliada à PUC-Rio. A metodologia já foi criticada pelo ministro daAgricultura, Pecuária e Abastecimento, Carlos Fávaro, em diferentes ocasiões.
“A grande dificuldade está na concepção do sistema, que é extremamente falho. Quando foi concebido a visão era de povoamento de informação, por isso era auto declaratório, sem nenhuma responsabilidade de quem declarou”, afirmou em entrevista recente.
Para Fávaro, mesmo passados 10 anos desde a regulamentação do Código Florestal, o Cadastro, que já esteve subordinado tanto à sua Pasta quanto ao Ministério do Meio Ambiente, não avançou.
“Para que possamos ter o Cadastro Ambiental Rural funcionando, é preciso uma reconstrução do sistema, para que ele possa dar autonomia [ao produtor] mas também tirar todas as inconsistências criadas pela autodeclaração.”
Cerrado em perigo
Dhemerson também chama atenção sobre o impacto da ineficiência do sistema sobre o Cerrado, onde o desmatamento mais cresce no Brasil. O bioma perdeu 188,2 mil hectares no primeiro trimestre deste ano, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (Sad), número maior que o registrado no ano passado.
De acordo com o IPAM, a proporção de alertas de desmatamento localizados dentro de propriedades rurais privadas também aumentou, representando mais de 88% do que foi desmatado no primeiro trimestre. Em 2022, registros privados de Car já representaram cerca de 79% dos alertas emitidos pela SAD.
A fala de Conciani reforça que, sem uma reestruturação da plataforma, a região pode sofrer uma alteração no regime de chuvas, o que prejudicará o abastecimento de corpos hídricos brasileiros e trará consequências drásticas para setores como o agronegócio.
“As nascentes dos principais rios estão no Cerrado e a gente sabe que a provisão de recursos hídricos está diretamente relacionada com a quantidade e qualidade da vegetação nativa. Então, se a gente não cuidar do Cerrado, a gente esgota os nossos recursos naturais, que hoje são o principal ativo do Brasil”, pontua o pesquisador.
Sistemas próprios
A criação de plataformas próprias por parte dos estados pode ajudar a melhorar os números. Em Mato Grosso, por exemplo, já existe o Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (Simcar), que difere do Car por apresentar módulos desenvolvidos tendo em vista a realidade local.
Ele inclui diferenças legais entre os três biomas do Estado, que, além de fazer parte da Amazônia Legal, abriga Cerrado e Pantanal.
À reportagem, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) informou que os produtores locais também contam com o Mapa do CAR, desenvolvido pelo Instituto Ação verde. A plataforma faz uma pró-análise do cadastro dos responsáveis técnicos que alimentar o Car, garantindo redução de pendências (informações ausentes ou erradas).
Além de Mato Grosso, outros cinco estados possuem cadastros próprios, e, pelo menos outros 10 que utilizam o cadastro nacional contam com módulos próprios desenvolvidos e hospedados localmente. Em todos estes casos os dados precisam ser integrados periodicamente ao Car.
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