HomeEcologia

El Niño mais forte pode prejudicar a agropecuária

El Niño mais forte pode prejudicar a agropecuáriaSecas serão mais frequentes no período. Foto: Pexels

Desmatamento zero e agricultura de baixo carbono devem ser prioridades para o Brasil
Artigo: O papel da agropecuária na preservação ambiental
Seca no Pantanal é impulsionada por avanço de pastagem

Meteorologistas preveem um El Niño forte este ano, o que, combinado com a aceleração do aquecimento global, deve levar a um recorde de temperaturas máximas já registradas no planeta Terra. O fenômeno, caracterizado pelo aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico, impacta o clima mundial, podendo causar furacões no Atlântico e ciclones no Pacífico. Ele teve início no último dia 8/6 e deve ir até agosto.

Um alerta da Organização Meteorológica Mundial, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), chama atenção para uma pesquisa publicada na revista Science que mostra danos econômicos de US$ 84 trilhões neste século, o equivalente a R$ 413 trilhões, mesmo que as promessas de corte de emissões de gases do efeito estufa sejam cumpridas.

Esses prejuízos seriam oriundos da perda de safras motivada por secas extraordinárias e pela escalada de doenças tropicais, logo, a perspectiva ainda é pior pra países tropicais, como o Brasil.

Em entrevista à Rádio Eldorado nesta segunda-feira, 12/6, o professor do Instituto de Economia da UFRJ Cadu Yang comentou os impactos esperados para o El Niño de 2023.

Infelizmente, nós já estamos prevendo situações extremas para os próximos anos, em função da perspectiva de que, depois de anos de La Niña, que no caso brasileiro representaram chuva em abundância, nós vamos viver o fenômeno do El Niño, que esse caracteriza por um aquecimento de águas extraordinário no Pacífico. Isso traz consequências sobre o clima em toda América do Sul – aliás, em todo o planeta -, o que significa, no nosso caso, uma probabilidade maior de eventos extremos de seca nas partes mais continentais.

O professor afirmou que teremos um agravamento dos períodos de estiagem, mas também uma maior instabilidade, ou seja, uma maior possibilidade de eventos como inundações e alagamentos e, associado a isso, deslizamentos de terra, entre outros problemas dessa natureza. Além disso, teremos uma alteração na propagação de vetores de doenças tropicais, o que também está associado essa alteração no que podemos chamar de “normalidade climática”.

Danos de mais de R$ 400 trilhões

Para Yang os impactos econômicos na ordem de R$ 413 trilhões, previstos no estudo publicado na Science servem de alerta.

“Eu trabalho bastante produzindo estatísticas como essa e quando a gente fala em um número dessa magnitude, estamos falando de uma ordem de grandeza. A leitura que se deve fazer é: preparem-se para grandes desastres, grandes eventos extremos que terão grandes consequências econômicas”, explicou.

Cadu Yang lembrou que o Brasil tem hoje uma ocupação agrícola, em grande parte do território nacional, que depende muito de um regime adequado de chuvas.

“Por isso, uma alteração desse regime de chuvas trará consequências sobre essa produção. Mas é claro que, quando o evento ocorrer, a capacidade de adaptação ao evento é diferenciada e por isso eu acho que, mais importante do que o tamanho dessa magnitude, é a distribuição desse efeito, que tende a ser bastante assimétrica e concentrada nos indivíduos de maior fragilidade social”, disse.

Ele revelou um estudo sobre o semiárido do nordestino em que pesquisadores pegaram os grandes eventos de seca na região e verificaram qual foi o impacto disso na produção agrícola, medindo pela perda de área que foi plantada e não foi colhida.

“O que identificamos é que, além dessa perda ser grande nos anos de escassez hídrica, ela se concentrou muito em culturas como milho e feijão, que são típicas do agricultor familiar de subsistência, enquanto a produção comercial irrigada sofreu muito menos. Ou seja, além do problema do tamanho, que vai ser grande, temos o problema da distribuição desigual”, afirmou.

Ele explicou que olhando para outra área, como a área dos desastres, os estudos – apenas com eventos de chuva, sem considerar seca – feitos há dez anos atrás estimavam que as perdas no Brasil já estavam chegando a 2% do PIB. Só que essas perdas estão muito mais concentradas em comunidades que moram próximas a rios ou em áreas de encosta, que sofrem o risco de deslizamento.

“São pessoas que sabem do risco, mas não têm capacidade financeira de se deslocar e isso vai criando um efeito ‘bola de neve’, trazendo consequências, por exemplo, para a prefeitura, já que ela vai ter que dar uma solução para esse desabrigado, vai ter que arcar com a reconstrução e com o próprio trabalho de resgate das vítimas”, contou.

O professor reiterou que os eventos extremos acontecendo com uma frequência maior e com mais intensidade, há impacto em diversas frentes.

“A princípio, o El Niño e as mudanças climáticas são tratados como elementos separados, mas um reforça o outro. Num contexto de aquecimento global, os efeitos de um El Niño serão amplificados e é por isso que a gente espera impactos sobre toda a sociedade brasileira”.

O que podemos fazer?

Para o professor, é preciso tratar com muito mais seriedade e urgência as questões ambientais e climáticas.

“A gente não pode se dar o luxo de o Congresso Nacional decretar que não existe mudança climática e que não existe El Niño. As áreas protegidas, naturais, são áreas que garantem resiliência ao sistema. Se eu vou ter uma alteração no regime hídrico, eu preciso proteger a calha do rio. Como faço isso? Aumentando a área de floresta. Eu preciso proteger as encostas. Como? Aumentando a vegetação nativa e impedindo que as vegetações nativas existentes sejam removidas”, sugeriu.

Segundo Cadu Yang, é preciso aumentar a nossa capacidade de lidar com eventos extremos por meio de soluções baseadas na natureza. É fundamental entender que a política ambiental é uma política de defesa para a nossa sociedade e para a nossa economia. E o que nós estamos vendo de ataque, de desmonte ambiental, que ocorreu com intensidade no governo anterior, mas que persiste em grupos hoje, em particular ligados ao Congresso Nacional, de pressionar ainda mais para remover essa proteção natural, é claramente uma política que vai trazer resultados ruins.

“Acho que a principal mensagem é dar maior prioridade às questões ambientais, porque elas se referem essencialmente à defesa do ser humano, das nossas comunidades e das nossas atividades produtivas”, disse.

O papel do Brasil

O professor acredita que o país tem uma grande oportunidade de ocupar protagonismo global com a COP, o principal evento do clima, que vai ocorrer em Belém do Pará.

“Isso vai trazer uma visibilidade importante, mas é importante lembrar que o nosso meio ambiente não é apenas na Amazônia. É importante a gente perceber que Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampa, todos os biomas estão sofrendo. O Pantanal já teve uma redução de cerca de um terço na área alagada, ou seja, secou em um terço e a gente perdeu uma riqueza extraordinária com isso”, lembrou.

De acordo com Yang, as ações precisam vir de todos, inclusive do setor privado.

“A gente tem uma série de possibilidades através do pagamento do serviço ambiental, com a possibilidade de criação de mercados regulados de crédito de carbono, que criam possibilidades de negócios a partir da conservação. Mas para isso é fundamental que a gente interrompa o ciclo da destruição e pare com essa ideia de que se tem petróleo, ele tem que ser extraído, não importa onde ele está, de que se tem um potencial hidrelétrico, tem que ser alterado a cara do rio, não importa o que eu vou fazer com essa energia. Essa visão de que não há uma finitude da nossa capacidade de ação tem trazido consequências muito ruins e a gente está percebendo isso já no dia a dia”, concluiu.

Yang lembra que no país principal fonte de mudança climática é o desmatamento e  a segunda é a emissão de metano pela pecuária.

“E a gente continua expandindo o setor como se isso não trouxesse consequências para o planeta. O mesmo vale para o consumo de combustível fóssil, em que a gente ainda acha que a exploração de petróleo vai ser a solução, mesmo na Amazônia”, comentou.

Ele acredita que é necessário se pensar no que será melhor no cenário de 50, 100, 150 anos.

“Nesse sentido, é fundamental que a gente tenha a participação de uma sociedade mais engajada, mais interessada e mais a par do que tá dizendo a ciência”.

As soluções viram da pesquisa e da nossa capacidade de se adaptar a essas transformações.

“Existem soluções que são simultaneamente de redução da concentração de gás de efeito estufa e de adaptação ao que a gente vai ver daqui para frente. A gente precisa introduzir essa palavra, adaptação, às mudanças climáticas. Como já está dito, a temperatura vai subir e os eventos climáticos acontecerão com mais frequência e o que a gente precisa fazer é se adaptar, se preparar para isso com um espaço adequado e soluções baseadas na natureza”.

Fonte: Estadão Conteúdo