Por André Garcia
A nova regra da União Europeia que proíbe a comercialização de produtos agrícolas associados ao desmatamento tem prazo para entrar em vigor: 30 de dezembro de 2024. Mesmo a contragosto, o agronegócio brasileiro terá que lidar com as consequências da recente conversão do texto em lei e as empresas deverão se preparar para atendê-la.
Enquanto associações setoriais e diplomacia se articulam para tentar negociar condições menos restritivas ao Brasil, as companhias buscam entender como funcionarão as regras na prática e apostam em iniciativas de rastreabilidade. As indústrias da soja e da carne são duas que já dispõem de ferramentas para o aumento de controle das cadeias.
Foi o que explicou o gerente de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Bernardo Pires. Em entrevista à Reset na última semana, ele lembrou que o setor é signatário de uma moratória que não permite a compra de grãos oriundos de áreas desmatadas na Amazônia após 2006.
O sistema, contudo, não é livre de falhas e pode esbarrar no regulamento europeu, que responsabiliza os importadores pela implementação de sistemas de due diligence que demonstrem que não houve desmatamento ou degradação florestal durante a produção e que foram considerados os direitos trabalhistas e às comunidades locais e indígenas.
Hoje, o controle é feito por um sistema conhecido como ‘mass balance’. Isso significa que é possível verificar que a soja certificada e adquirida pela indústria de alimentos entrou em determinada trading em determinado volume – e é só esse volume que pode ser vendido como de procedência garantida.
Mas o fato é que grãos são misturados nos silos e o rastreio pode se perder. Muitos especialistas entendem que esse mecanismo não será aceito de largada pela União Europeia, que pretende saber a procedência exata da carga que chegará aos seus países.
Logo, mesmo com uma cadeia de fornecimento mais curta no campo, sem vários intermediários, um dos principais problemas é o controle da porteira para fora. Uma alternativa é a segregação, com armazenamento dos grãos que atendem aos critérios europeus em silos separados e transportados de forma distinta.
Para Pires, embora tudo isso tenha um custo adicional, a indústria não espera o pagamento de um prêmio verde pelo bloco econômico.
“Não atender uma demanda de US$ 10 bilhões não é uma opção. A gente vai atender, mesmo que gere um custo adicional. Esse é o normal da Europa: pedir tudo e não pagar nada. A gente vê isso há 30 anos”, afirma Pires.
Pecuária
Para garantir a procedência dos produtos, a UE vai exigir das empresas exportadoras “documentos verificáveis” que tragam informações como a geolocalização das fazendas onde o item foi produzido. Isso inclui a cadeia de fornecedores, um grande nó hoje quando se fala da pecuária.
Os grandes frigoríficos já têm uma certa visibilidade de seus fornecedores diretos, que fazem a engorda do boi. Mas ainda têm um grande desafio na cadeia indireta, da criação de bezerros e de bois magros, que está mais associada ao desmatamento. A alimentação do gado também precisa atender às exigências.
Empresas como JBS e Marfrig, que se comprometeram com o desmatamento zero na Amazônia até 2025, já investem na rastreabilidade. No geral, a indústria vem cobrando por uma iniciativa centralizada, que abranja também o governo federal e os estaduais, para fechar lacunas como a garantia de acesso à Guia de Transporte Animal (GTA).
Recém-lançado, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), propõe um sistema de rastreamento da agropecuária. Mas, segundo o pesquisador do Imazon e idealizador do Radar Verde, Paulo Barreto, o problema é que a UE não estabeleceu ainda o que servirá como garantia de procedência.
“A questão é saber se esses controles serão aceitos. A indústria, de certa forma, está pressionada e puxando essa agenda de rastreabilidade nacional, mas ainda tem bastante resistência dos fazendeiros. Está faltando o papel do governo para fazer essa coordenação”, aponta.
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