Por André Garcia
A agropecuária está seriamente ameaçada, se seguirmos a atual trajetória de emissões de gases do efeito estufa (GEE). Isso porque o aumento contínuo da temperatura global, que pode ultrapassar a média de 1,5° entre 2023 e 2027, coloca em risco o desenvolvimento tanto das lavouras quanto dos rebanhos brasileiros. É o que aponta o cientista brasileiro Paulo Artaxo ao destacar que o prazo para resolver este problema é de apenas quatro ou cinco anos.
Nesse sentido, ele alerta, a produção de alimentos para os 10 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2050 se tornará impossível.
“As emissões da agricultura correspondem hoje a cerca de 30% do total das emissões globais. Então é fundamental que a gente aprenda a ter maior produtividade com menores emissões. Isso é particularmente importante na pecuária, onde as emissões de metano são extremamente significativas”, explica Artaxo em entrevista exclusiva ao Gigante 163.
Professor do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos pesquisadores climáticos mais citados do mundo, ele adianta que este é o momento para que todos os setores estruturem visões de longo prazo sobre as mudanças climáticas, priorizando os interesses da sociedade.
“Isso é factível, mas nós vamos ter que investir em ciência e em pesquisas para que isso se torne economicamente viável no prazo mais curto possível. O agronegócio é chave nesta questão, principalmente porque vai ser uma das atividades econômicas mais impactadas no Brasil. ”
A fórmula inclui a mobilização entre os setores e a governança com foco na redução das emissões na produção de alimentos, além do compromisso com o desmatamento zero da Amazônia e com a construção de uma sociedade muito mais sustentável.
“A janela de oportunidades para evitarmos uma catástrofe climática no planeta está se fechando nesta década. Então, o que faremos agora é absolutamente estratégico. Precisamos atuar firmemente para acabar com essa ameaça que traz prejuízos socioeconômicos enormes, principalmente para a população de baixa renda.”
Ameaça à produção
A diminuição das chuvas no Centro Oeste e o salto no registro de eventos climáticos extremos, como as inundações que assolaram o Rio Grande Sul, são alguns exemplos dados por Artaxo para reforçar esta previsão. De acordo com ele, a tendência é que estes fenômenos aumentem de frequência e intensidade.
“O aumento dos eventos climáticos extremos em 2023 foi dramático. Nós vimos exemplos no Rio Grande do Sul, na China, no Paquistão, nos Estados Unidos e no Canadá e isso obviamente é um sinal de que a mudança climática deixou de ser uma questão do futuro para estar conosco hoje, no presente, com impactos muito significativos sobre o nosso planeta.”
Neste contexto, a agricultura está entre os setores mais vulneráveis. Em relatório de 2022 a gigante financeira Morgan Stanley estimou que pelo menos 44% do trigo, 43% do arroz, 32% do milho e 17% da produção de soja vêm de áreas de risco. Logo, desastres induzidos pelas mudanças climáticas ameaçam pelo menos US$ 314 bilhões da produção anual.
Em 2023, as previsões já apontam que as chuvas não chegarão com volume suficiente em todas as regiões do País. No Centro Oeste, caso o plantio de soja, por exemplo, ocorra em setembro, as precipitações não bastarão para repor a umidade no solo, já que a tendência é de que as temperaturas atinjam os 40° C durante a primavera.
Como já noticiamos, o calor extremo esperado, potencializado pela ocorrência do El Niño, também traz danos à pecuária. Problemas como a redução de pastagem, suscetibilidade a doenças e queda da fertilidade são alguns dos exemplos do que pode ocorrer com o setor.
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