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Agroflorestas podem reverter calor extremo e garantir rentabilidade

Agroflorestas podem reverter calor extremo e garantir rentabilidade

‘Precisamos ter mais clareza de como o carbono no agro tem que se viabilizar no Brasil’
Floresta será o centro do debate dos Diálogos Amazônicos
Mais rentável que soja, cacau quer assumir protagonismo em MT

Por André Garcia

O ano de 2023 deverá ser o mais quente já registrado na história. No Brasil, o combo formado por onda de calor, bloqueio de nuvens de chuva e El Niño atingiu em cheio o Centro-Oeste e já prejudica o plantio de soja e milho em diversos pontos. O problema, porém, pode ser contornado. Como? Com a adoção das agroflorestas.

Isso porque as florestas têm papel fundamental na reciclagem das chuvas, de modo que sua restauração pode reestabelecer padrões essenciais para o agronegócio na região. Ao Gigante 163 o cientista Carlos Nobre explicou essa relação, que começa na Amazônia e tem impactos para além das fronteiras brasileiras.

“O transporte de vapor da água para fora da bacia amazônica corre muito risco por conta desta combinação, que está fazendo a Amazônia registrar menos chuva. Menos chuva significa menos evaporação e menos vapor d’água na atmosfera sendo transportado pelos rios voadores que chegam ao Centro-Oeste”, disse.

Além da possibilidade de estabilizar o ciclo de chuvas e estiagens, a estratégia também se destaca pelo potencial de sequestro de carbono, contribuição direta para segurança alimentar, equidade e biodiversidade. Assim, embora o Centro-Oeste ocupe a segunda colocação no ranking nacional de áreas com sistemas agroflorestais, ainda há muito o que avançar.

Para se ter ideia, dentre as áreas declaradas ao Censo Agropecuário do IBGE de 2017, a região concentra 12% dos 13.8 milhões de hectares de agroflorestas implantados no País. Este valor não corresponde nem à metade dos 31,7 milhões de hectares de soja plantados em 2022. Entre seus estados, Mato Grosso lidera a lista com 891.737 hectares, seguido por Goiás, com 453.382 e Mato Grosso do Sul, com 366.853.

Aidê de Oliveira. Foto: Senar-MT

É daí que saem alguns casos que comprovam a viabilidade da prática. No Sítio da Dedê, por exemplo, a professora aposentada Aidê de Oliveira apostou na agrofloresta para transformar a terra arenosa em uma área produtiva.

“Era como areia da praia, não conseguimos produzir nada. Hoje a produção é tanta que até vendemos, porque não conseguimos consumir tudo”, afirma a produtora, que conta com assistência técnica do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso (Senar-MT).

A agrofloresta também deve mudar a realidade da aldeia Cachoeirinha, em Miranda (MS), onde a comunidade recebeu uma unidade experimental de sistema agroflorestal no fim de março. O projeto  é financiado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), que pretende avaliar dinâmicas de fertilidade e teor de matéria orgânica de solos desse tipo de área.

O trabalho levou esperança para Arildo Cebalio, que todos os anos assiste a partida dos filhos para trabalhos agrícolas temporários, já que a produção em suas terras não vem garantindo a subsistência de toda a família.

“Meus filhos ainda vão porque precisam, mas eu não quero que eles continuem com esses trabalhos distantes. Haverá muito o que fazer aqui. Nós entendemos que hoje eles querem ir para contribuir e ajudar a família, mas ao mesmo tempo eles sabem o valor que é cuidar da própria terra”, conta ele.

Viabilidade econômica

Mas a viabilidade econômica vai além de projetos familiares. Como já mostramos, ao recuperar 1,02 milhão de hectares de área desmatada usando modelos de Sistemas Agroflorestais (SAFs), o Brasil pode gerar R$ 260 bilhões de receita líquida. Para chegar a este valor, o investimento necessário corresponde a R$ 33,1 bilhões, ou seja, o retorno é quase oito vezes maior que a aplicação, segundo estudo do Instituto Escolhas.

Não à toa, a startup de reflorestamento Belterra vem investindo na produção de cacau no norte de Mato Grosso e garantindo a restauração de 1.000 hectares de áreas degradadas.

Com renda líquida de até R$ 10 mil por hectare, valor bem superior aos cerca de R$ 3 mil registrados pela soja, a fruta pode garantir desenvolvimento econômico e social a pequenos agricultores de Alta Floresta, Carlinda e Paranaíta. É o que explica o CEO da empresa, Valmir Ortega.

“Não estamos falando de monocultura de cacau. Haverá um conjunto de outras espécies, como mandioca, banana e milho. Isso tudo, pensando tanto na comercialização e geração de renda, quanto no papel que estas plantas exercem na recuperação do solo”, afirma.

O governo de Mato Grosso do Sul, por sua vez, aposta na estratégia para a produção sustentável e certificação para geração e comercialização de créditos de carbono. Para tanto, em parceria com a Fundação Rabobank, destinou R$ 1 milhão para ações de assistência técnica aos produtores interessados na prática.

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