O cenário de seca e calor extremo que trouxe prejuízos à safra brasileira em 2023 não deve mudar nos próximos anos, não importando se o clima estará sob influência El Niño, La Niña ou neutro. A forte tendência de elevação da temperatura no Brasil é apontada por pesquisadores responsáveis pela criação de um mapa interativo que permite checar a quantas anda o aquecimento nas cidades brasileiras.
A ferramenta traz notícias preocupantes especialmente para os produtores rurais da região central. Municípios notórios por sua produção agropecuária já deixaram a meta do Acordo de Paris para trás. No caso de Primavera do Leste, a temperatura ficou em 2,61° C, acima da média das máximas diárias. No caso de Rondonópolis, o aumento foi de impressionantes 3,73 C. Ainda em Mato Grosso, Poconé é um caso extremo: 4,46° C.
Os dados fazem parte de levantamento inédito do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), obtido com exclusividade pelo Globo, e confirmam uma tendência das últimas seis décadas.
Para identificar os lugares do Brasil que mais esquentaram, aqueles que tiveram as maiores anomalias de temperatura positiva, a cientista Ana Paula Cunha e sua equipe do Cemaden analisaram números de estações meteorológicas oficiais e de satélite de todos os 5.570 municípios brasileiros nos 12 meses de 2023. Na sequência, compararam cada mês com a climatologia para o respectivo período.
Os dados se referem à média das temperaturas máximas diárias e os municípios foram ranqueados pelas maiores anomalias de temperaturas. No geral, novembro e dezembro foram os meses mais quentes de 2023.
Cada grau importa
Quando o termômetro sobe de 36°C para 37°C não parece muito, mas esse 1 grau de diferença é suficiente para passar da saúde normal para a febre, por exemplo. Com as plantas não é diferente. Acima de 28°C, a soja, conhecida por ser resistente ao calor, começa a sofrer. Um grau Celsius a mais também é suficiente para multiplicar o risco de incêndio em áreas afetadas pela seca.
Cinco graus de elevação são o que climatologistas classificam como extremo.
A receita para o calor extremo combina mudanças climáticas globais com características locais. Isso pode ser fatal para regiões como o Centro Oeste, onde há grandes áreas desmatadas, solo degradado e grande distância do oceano, normalmente uma fonte de umidade e ventos mais frescos.
Recordes pontuais de temperatura não indicam tendências, observa Cunha. Mas lugares que registram esses recordes são tórridos.
“Os fatores que causam o calor seguem presentes. O El Niño aqueceu o Brasil, mas é transitório. O que fez e faz diferença é o aquecimento global somado às condições locais. É uma região semiárida, que também está ficando gradativamente mais seca,” afirma ela.
Calor e seca andam juntos
De acordo com a diretora substituta do Cemaden, Regina Alvalá, calor e seca se alimentam. Assim, a degradação do solo e da vegetação abre caminho para o inferno. É tudo uma questão de equilíbrio energético, já que a energia do sistema terrestre precisa ir para algum lugar. E há cada vez mais energia, à medida que a Terra esquenta.
Quando há água na superfície, seja no solo, na vegetação ou em cursos d’água, parte significativa dessa energia é empregada na evaporação. Assim, não esquenta tanto. E é por isso que o desmatamento contribuiu para a elevação da temperatura.
Quando não há água no solo, mais energia fica disponível para aquecer o ar. Quanto mais seco, mais calor. E quanto mais calor, maior a seca, diz Marcelo Seluchi, diretor de Operações do Cemaden ao explicar como a chuva regula a temperatura. Isso explica que lugares muito quentes, mas com ampla cobertura florestal, como a Amazônia, não tiveram anomalias tão significativas.
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