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Cinco bacias hidrográficas concentraram 81% do desmatamento no Cerrado

Cinco bacias hidrográficas concentraram 81% do desmatamento no CerradoBacias hidrográficas do Cerrado estão secando. Foto: Leopoldo Silva/ Agência Senado

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Por André Garcia

Como já mostramos, o Cerrado vem perdendo a capacidade de absorção e retenção de água devido ao desmatamento. Abrigo de oito das doze principais regiões hidrográficas do Brasil, o bioma teve perda concentrada de 81% de vegetação nativa nas proximidades das bacias do Alto Tocantins, São Francisco Médio, Alto Parnaíba, Itapecuru e Araguaia.

A porcentagem diz respeito apenas a 2023 e eleva o risco hídrico de 373 municípios da região, segundo dados publicados pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) na sexta-feira, 22/3.

Além disso, reforça que a ampliação da área desmatada pode aumentar também os prejuízos para o agronegócio, que já enfrenta um cenário complicado por conta da seca. Isso porque, a escassez de água compromete a irrigação, reduz a produtividade e a qualidade das safras, aumenta os custos de produção e impacta os rendimentos dos agricultores.

Embora a maior parte dos produtores obedeça às normas de conservação impostas pelo Código Florestal, a devastação segue como uma ameça para todo o setor, uma vez que compromete o fluxo dos rios e o ciclo de chuvas.  Para se ter ideia, no Centro-Oeste, região líder na produção agropecuária e onde predomina o Cerrado, 94% do território foi atingido pela seca nos últimos meses, a maior porcentagem entre as regiões do País.

Segundo a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), esta também é a única região onde estiagem se tornou mais intensa, com aumento excepcional de 1% entre 2023 e 2024. O resultado foi uma perda primária de produtividade de 33%, já que as plantas ali cresceram menos que em outras regiões.

Levantados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), os números mostram que as bacias mais prejudicadas estão localizadas no norte do bioma e na região do Matopiba, onde se concentram as grandes áreas de desmatamento e as nascentes dos principais rios brasileiros, como por exemplo o Rio Araguaia e o Rio Tocantins.

A região também concentra a maior parte dos remanescentes de vegetação nativa. É o que reforça a coordenadora do SAD Cerrado e pesquisadora do IPAM, Fernanda Ribeiro, ao alertar que as altas taxas de desmatamento podem causar impactos como o rebaixamento dos lençóis freáticos e o aumento do risco de escassez de água.

“O desmatamento afeta diretamente os recursos hídricos, e estudos recentes mostram uma diminuição da vazão dos rios no Cerrado nos últimos anos devido às altas taxas. Essa redução pode impactar o abastecimento hídrico de cidades, a produção de energia elétrica e a agropecuária”, diz.

Bacias mais afetadas

Na bacia do Tocantins Alto, segunda maior do Cerrado e a mais desmatada em 2023, foram perdidos 274 mil hectares de vegetação nativa – 26% de tudo que foi perdido em 2023. A bacia abriga as nascentes do Rio Tocantins, segundo maior território brasileiro e serve como rota comercial para o escoamento e para a irrigação da produção agrícola.

Já a bacia do Médio São Francisco, sexta maior do País e a segunda mais desmatada em 2023, perdeu 200 mil hectares de vegetação nativa – 14,4% de todo o desmatamento do ano passado no bioma. Essa bacia abriga os principais afluentes do Rio São Francisco que se estende por 2.863 km, abastecendo mais de 15 milhões de habitantes.

A bacia do Alto Parnaíba teve 189 mil hectares de sua vegetação desmatada – cerca de 13% do desmatamento do bioma em 2023. A bacia abriga as nascentes do Rio Parnaíba, localizado no centro do Matopiba, região  dominada por grandes propriedades, com um crescente uso de água para a irrigação de sua produção.

Crédito: IPAM

Cenário em 2024

O cenário se repete no primeiro bimestre de 2024. Nos dois primeiros meses do ano o Cerrado já acumulou 89 mil hectares desmatados. Desse total, 83% estão concentrados em cinco das vinte e quatro bacias hidrográficas do Cerrado (São Francisco Médio com 24 mil hectares; Tocantins Alto com 22 mil hectares; Parnaíba Alto com 15 mil hectares; Parnaíba Baixo com 6 mil hectares e Araguaia com 5 mil hectares desmatados).

“A proteção das bacias hidrográficas do Cerrado depende de um melhor entendimento e caracterização da destinação da água do bioma, aliado a uma estratégia integrada entre os setores público e privado. Além disso, é necessário implementar e reforçar políticas públicas que promovam a conservação dos remanescentes de vegetação nativa e a restauração de áreas degradadas em locais estratégicos”, destaca Fernanda.

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