Por André Garcia
Nos mais de 80 mil hectares do Pantanal destruídos pelo desmatamento químico, uma imensidão desfolhada denuncia os efeitos da estratégia do pecuarista Claudecy Oliveira Lemes. A abrangência dos 25 agrotóxicos que ele teria usado para exterminar plantas e animais é muito maior que a área de suas propriedades e seus componentes continuarão a agir por décadas na região, o que aumenta a revolta sobre o caso.
De acordo com especialistas ouvidos pelo Gigante 163, a persistência das substâncias no ecossistema depende de fatores como o tipo de solo, da temperatura ambiente, da umidade do ar, e da forma como elas foram aplicadas.
“O agrotóxico em contato com o ambiente modifica suas moléculas. Alguns herbicidas podem durar mais de 10 anos com efeitos nocivos no ambiente, trazendo consequências devastadoras para a saúde, a economia e em todos os demais setores”, explica o engenheiro agrônomo e técnico da Empaer, Jakson Ferreira da Silva.
Deflagrada na última semana, uma operação conjunta da Polícia Civil de Mato Grosso (PJC) apontou que 240 toneladas de agrotóxicos foram aplicados com avião agrícola nas fazendas de Claudecy, localizadas em Barão de Melgaço. As amostras coletadas na vegetação e em sedimentos do solo detectaram a presença de herbicidas como Imazamox, Picloram, 2,4-D e Fluroxipir.
O médico, doutor em Saúde Coletiva e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Wanderlei Pignati, lembra que os efeitos de componentes do 2,4-D, por exemplo, podem ser constatados mesmo 50 anos depois de sua aplicação. Os efeitos crônicos dessas substâncias a longo prazo incluem alteração no DNA, queda de imunidade e desregulação endócrina, além de estarem associados ao câncer.
“Foram milhares e milhares de litros de agrotóxicos que, além de resultarem na morte de sapos, cobras, peixes e outros animais, têm efeito cancerígeno sobre a população. Nas quatro regiões que mais produzem no estado, a incidência de câncer infantojuvenil é muito maior que em outros municípios. Temos estudos que mostram também a relação com a má formação e distúrbios neurológicos”, diz o médico.
No caso do pecuarista, reincidente em crimes ambientais, os químicos encontrados pela polícia são classificados com potencial de periculosidade ambiental III. Ao destacar a resistência desses produtos, a engenheira agrônoma Fran Paula explica que eles penetram nas águas subterrâneas e depois correm por córregos e rios que abastecem o campo e as cidades.
“Animais e plantas que ocupavam essas áreas cumprem um papel importante para a saúde do bioma e das comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e pantaneiras, que estão sofrendo um impacto a partir desse crime”, diz ela, que é doutoranda em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
O dano ambiental, que já é considerado o maior da história de Mato Grosso, foi motivado pela abertura de pasto. Conforme a PJC, nas propriedades do investigado, também foram encontradas toneladas de semente de capim, que iam ser plantados no lugar da vegetação nativa destruída. Somada a outros crimes contra o bioma, a ação ameaça diretamente o ciclo de inundação do Pantanal.
“O avanço da atividade produtiva sobre as áreas alagadas já traz modificações de padrões ecológicos. Apesar de o Pantanal ser a maior planície alagada do mundo, muitas propriedades na região já estão tendo problema com água. Estou falando de quantidade, isso sem considerar os muitos problemas com a qualidade da água. O estoque pesqueiro está reduzido e já vemos mudanças na vegetação”, diz Jackson.
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