Um estudo publicado na semana passada na revista científica World Development afirma que o desmatamento do Cerrado e da Amazônia fez com que os produtores de soja deixassem de ganhar, em média, US$ 1.3 bilhão anualmente entre 1985 e 2012.
Esse valor deve subir para mais de US$ 4 bilhões anuais até 2050, se forem consideradas as previsões de mudanças climáticas globais. As expectativas representam ameaças à economia global e à segurança alimentar. A pesquisa foi divulgada no momento em que o Brasil enfrenta sua pior seca em quase um século e o desmatamento na Amazônia também bate recordes históricos. O estudo foi feito por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, incluindo da Universidade Federal de Viçosa (MG).
O doutorando do Programa de Pós-Graduação em Meteorologia Aplicada da UFV, Gabriel Abrahão, um dos autores da pesquisa, enfatiza a influência das mudanças regionais ao mostrar que desmatar uma área afeta o clima de toda a região ao redor. “A remoção da vegetação natural em uma área na Amazônia ou no Cerrado aumenta muito a frequência de dias e horas muito quentes em um raio de 50 km daquela área. Esse calor extremo pode ser muito prejudicial para a cultura da soja, cuja produtividade diminui com a perda de água e a fotossíntese fica mais lenta sob essas temperaturas muito altas”, afirmou Gabriel ao site da UFV.
Os pesquisadores calcularam que um desmatamento de 30% da vegetação natural, num raio de 50 km de uma área de cultivo de soja, faz com que a produtividade caia entre 8 e 14% devido ao calor extremo. Isso sem calcular os efeitos que o desmatamento também provoca na quantidade e na distribuição de chuvas na região, que são especialmente prejudiciais para os sistemas de safra-safrinha muito usados no Cerrado e que já foram revelados em outros estudos publicados pelo Grupo de Pesquisa em Interação Atmosfera-Biosfera da UFV.
Um deles, publicado recentemente na revista Nature Communications, já demonstrou perdas agrícolas anuais de US$ 1 bilhão, associadas às reduções nas chuvas causadas pelo desmatamento. Juntas, as duas estimativas revelam os enormes impactos econômicos da destruição de ecossistemas no setor agrícola do Brasil. Segundo os autores, esses dois efeitos se amplificam, gerando perdas anuais que podem ser maiores do que US$ 4,55 bilhões anuais nas safras de soja.
A boa notícia é que os autores ressaltam que as propriedades produtoras de soja no Brasil já vêm deixando de desmatar. “O mercado nacional e internacional de soja criou mecanismos para dificultar a comercialização de soja que esteja ligada ao desmatamento. E temos percebido cada vez menos soja sendo plantada em áreas recentemente desmatadas”, disse Gabriel.
O pesquisador explica que a maior parte do desmatamento no Brasil é feita por poucas pessoas interessadas em implementar atividades com pouco retorno econômico para o país, como o garimpo e a pecuária predatória. Por isso, para o pesquisador, “se os produtores já não vêm mais querendo desmatar para plantar soja e o desmatamento prejudica a produtividade, a soja brasileira só tem a ganhar com a conservação da nossa vegetação natural”.
O método
Na pesquisa publicada na semana passada, os cientistas analisaram o valor que a vegetação nativa gera, ao regular o calor extremo para a produção de soja, usando duas abordagens complementares: a receita da soja perdida com a destruição de florestas e outros ecossistemas e a receita da soja obtida com a conservação desses ecossistemas.
Para a análise focada na perda do ecossistema, eles estimaram o aumento da exposição ao calor extremo para a quantidade de vegetação que foi removida. Para a análise de conservação, os autores modelaram o valor de florestas em pé e outros ecossistemas com base na regulação estimada de calor extremo.
Em 2019, a soja constituía 49% da área agrícola brasileira e 41% da receita agrícola. Os dois novos estudos que tiveram a participação da UFV revelam que os agricultores teriam aumentado a produção ainda mais se não tivessem desmatado, o que teria mantido o calor extremo sob controle e mantido as chuvas tão necessárias.
Ainda para os autores, a ciência do clima já tem uma compreensão bem estabelecida de como o desmatamento tropical contribui para a mudança climática global por meio da emissão de carbono e da redução da capacidade das florestas do mundo de retirar mais carbono da atmosfera, mas pesquisas como estas mostram como esse desmatamento tem impactos climáticos que vão além do carbono, provocando aumento imediato do calor extremo local e diminuindo as chuvas regionais e locais.
Fonte: com UFV