O veredito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) que favoreceu a Sociedade Comercial do Triângulo Ltda em disputa que pode levar o Parque Estadual Cristalino II à extinção, compromete não apenas àquela área, no Norte do Estado, mas todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), lei que rege as áreas protegidas.
Em artigo publicado pelo Metrópolis, a diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, Angela Kuczach, diz que este é um dos mais graves ataques ao meio ambiente na atualidade, já que a decisão abre precedentes ao desconsiderar que a criação da área cumpriu todos os ritos previstos na legislação estadual à época.
“Isso não foi o suficiente para o TJMT, que, ao deferir em favor da empresa em questão, abre brechas para atividades econômicas de alto impacto ambiental, como mineração e desmatamento, estabelecendo um precedente perigoso. Essa decisão compromete não apenas a integridade do ecossistema local, mas também enfraquece os princípios fundamentais do SNUC, ameaçando a eficácia das medidas de conservação em todo o país.”
Vale destacar que esta já é uma decisão em segunda instância. Uma primeira foi deferida em 2022, quando organizações da sociedade civil e o Ministério Público encontraram um erro no processo e impediram o avanço da questão na Justiça. Ainda assim, o Parque teve quase sete mil hectares afetados pelos desmatamentos e incêndios nos últimos anos.
De acordo com Angela, a devastação foi acompanhada por vários pedidos de exploração feitos à Agência Nacional de Mineração. Ameaças que voltam a rondar a área, com novos requerimentos e grupos de garimpeiros já se aproximando da região, aguardando a oficialização da extinção da Unidade de Conservação (UC).
Consequências
A decisão do Judiciário considerou a alegação da Triângulo de que não houve consulta à população quando o Parque foi criado. Porém, entidades afirmam haver provas de que a consulta existiu e defendem que, conforme outras jurisprudências, mesmo que a suposta falha tivesse ocorrido, ela por si só não justificaria a extinção de parques.
À Rede, especialistas destacaram recentemente que, além de dar passe livre para atividades de grande impacto ambiental, a extinção do Cristalino II pode aumentar as contribuições do Brasil para as mudanças climáticas e repercutir negativamente em acordos internacionais firmados por Mato Grosso.
“Na prática, isso [a decisão] significa destruição da floresta e dos animais que vivem nela, isso sem contar com o impacto na qualidade de vida da população e na contribuição para a emergência climática. A Amazônia é responsável pelos chamados rios voadores, ou seja: as chuvas que caem no sudeste e sul vêm diretamente de lá e o Parque contribui significativamente para isso”, pontua a diretora-executiva.
Recurso
Nem tudo estaria perdido se Mato Grosso recorresse da decisão aos Tribunais Superiores. Contudo, o governo do Estado, Mauro Mendes, manifestou-se contrário a essa possibilidade. Segundo ele, a indenização para regularizar o Parque custaria muito aos cofres públicos.
Entretanto, segundo a pesquisadora, uma análise da situação fundiária mostra um cenário diferente: na época da sua criação, o Parque era coberto por florestas que pertencem à União, ou seja, terras públicas, e que foram repassadas ao Estado em 2011 “preferencialmente para fins de proteção da biodiversidade.”
“Quer dizer: essas terras foram griladas e, portanto, não podem ser indenizadas pois já pertencem ao povo brasileiro. Vale ressaltar que até alguns meses atrás, o governador fazia campanha pela estadualização do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, prometendo o investimento de R$200 milhões em 3 anos para alavancar o turismo.”
Preservação de biodiversidade e laboratório de pesquisa
Anexo ao Parque Estadual Cristalino I, o Parque Estadual Cristalino II conta com pouco mais de 100 mil hectares entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo, em Mato Grosso. Ambas as UCs, localizadas no Arco do Desmatamento da Amazônia, abrigam 41 espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção e 38 espécies endêmicas.
Além de protegerem animais como o macaco-aranha-de-cara-branca, a onça-pintada e a harpia, contribuírem para o combate ao aquecimento global e para a produção de chuvas, as unidades também são um laboratório de pesquisas científicas desenvolvidas por importantes instituições mundiais.
“Preservar esse ecossistema não é apenas uma questão ambiental, mas uma responsabilidade moral e ética que exige ação imediata e determinada. Do contrário, toda a sociedade brasileira pagará uma conta social, ambiental e econômica em favor de poucos”, conclui Angela.
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