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Grandes propriedades são as que mais usam CAR para grilagem

Grandes propriedades são as que mais usam CAR para grilagemAo validar grilagem, Estado abre caminho para o crime ambiental. Crédito: Observa-MT

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Por André Garcia

Mato Grosso tem mais de 1 milhão de hectares de Terras Indígenas (TIs) inscritos como propriedades rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR). A maior parte da grilagem é feita por grandes proprietários, que respondem por 47% das sobreposições, segundo estudo da Operação Amazônia Nativa (OPAN) e do Instituto Centro de Vida (ICV).

Lançado em conjunto pelas entidades nesta quinta-feira, 3/9, o relatório mostra que os grandes imóveis representam 314 das 670 inscrições irregulares efetivadas pela Secretaria de Meio Ambiente (Sema-MT). Já os médios e pequenos somam respectivamente 170 e 186, correspondendo a 25% e 28% do total.

De acordo com a o levantamento, que analisou dados do Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (Simcar) da Sema-MT, ao inscrever áreas griladas o Estado abre caminho para o crime, já que o CAR facilita, por exemplo, que desmatadores e causadores de queimadas acessem recursos públicos e privados para suas atividades.

Assim, a sobreposição de territórios protegidos pela Constituição Federal por imóveis rurais não prejudica somente as comunidades tradicionais, mas também os produtores que seguem a lei, uma vez que a prática reduz a competitividade da agropecuária, afeta sua credibilidade e desvaloriza os imóveis.

“Quase metade dos CARs sobrepostos são de grandes imóveis, muitos deles voltados para agropecuária. Essa situação não só ameaça a biodiversidade local como coloca em risco comunidades que dependem dessas terras para subsistência e cultura”, explica a analista socioambiental do Instituto Centro de Vida (ICV), Júlia Mariano.

A partir de análises espaciais e do cruzamento de dados da Sema e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), foi constatado que TIs em estudo e delimitadas concentram 49% da área de imóveis sobrepostos. Outro número alarmante é que 82% dos CARs em TIs estão ativos, ou seja, aguardando análise ou em fase de validação.

Por outro lado, só 13% deles foram cancelados e 5% indeferidos, o que equivale a cerca de 130 mil hectares. Esse cenário contraria a Instrução Normativa (IN) 02/2014 do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que afirma que a situação do CAR deve constar como pendente em casos de sobreposição.

“Apesar da legislação determinar que os Cadastros Ambientais Rurais em terras indígenas devem ser indeferidos, nossos resultados mostram que na realidade não é bem assim. Muitos territórios indígenas ainda têm imóveis cadastrados e registros ativos, o que os deixa vulneráveis a atividades ilegais”, ressalta Júlia.

Critérios da Sema são questionados

Desde 2021 o Ministério Público Federal (MPF) e Procuradoria da República passaram a questionar a situação. Após o procedimento do MPF passar a tramitar como Inquérito Civil, em 2022, foi expedida recomendação para suspensão de todos os registros de CAR sobrepostos a TI’s, independente da fase do procedimento demarcatório.

Porém, a secretaria alegou que cumpriria integralmente as condições do CAR dispostas no Decreto Estadual n° 1.031/2017, que define como terras indígenas somente as interditadas e declaradas, deixando assim, as que ainda não possuem portaria declaratória, em estudo ou delimitadas, disponíveis à especulação.

Diante do impasse, em 2023 o MPF ajuizou a Ação Civil Pública contra o Governo do Estado, buscando a concessão de tutela de urgência a fim de proibir a emissão de CARs em terras indígenas delimitadas, declaradas, demarcadas fisicamente e interditadas. O processo previa ainda a mudança de status de pedidos com sobreposições.

Em março deste ano, o governo fez uma alteração na forma de análise do CAR por meio do Decreto Estadual 780/2024, que passa a ser automatizada. No entanto, não houve nenhuma modificação em relação ao critério adotado pela Sema com relação aos cadastros sobrepostos a TIs.

“Conseguimos mostrar o quanto a SEMA não segue seus próprios critérios nas análises de CAR sobrepostos às TIs. Além disso, o critério que ela diz seguir está errado ao considerar apenas terras indígenas com portaria declaratória no momento de bloquear cadastros sobrepostos à TIs”, pontua Ricardo Carvalho, um dos autores do estudo.

 

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