Por cinco anos, uma lavoura de algodão transgênico foi cultivada ilegalmente em Marcelândia (MT), em desacordo com uma medida de biossegurança criada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A prática coloca em risco a biodiversidade e a agricultura familiar da região. As informações são do site Mongabay.
Até maio de 2023, uma portaria proibia o cultivo dessa variedade em 31 municípios de Mato Grosso. Mas essa medida, que protegia o algodão crioulo, foi revogada com forte apoio da Embrapa, detentora de patentes de algodão transgênico.
O cultivo ilegal de algodão transgênico em Marcelândia (MT) iniciou-se em 2019 em caráter experimental na Fazenda Modelo, de propriedade de Gilson Pinesso. Após ajustes, a prática se expandiu para a Fazenda Nossa Senhora de Nazaré, também do mesmo proprietário, assumindo proporções comerciais.
Em entrevista ao site, Pinesso confirmou que cometia a irregularidade e se justificou.
“Nós recebemos essa informação (de que a área era proibida para o cultivo de algodão transgênico) num momento bem adiantado do plantio”, disse.
Mas ao fim da gravação, o produtor enviou uma mensagem por WhatsApp chamando a entrevista de “tendenciosa”, e que não mais autorizava que as informações passadas fossem divulgadas.
A reportagem procurou o Ministério da Agricultura para questionar sobre o conhecimento da plantação ilegal de algodão transgênico em área proibida no Mato Grosso, bem como sobre as punições e a fiscalização nesse tipo de caso. Até o momento, o órgão não respondeu aos questionamentos.
Flexibilização das normas
Enquanto a fiscalização das normas de biossegurança deveria ter sido reforçada para evitar casos como o cultivo ilegal de algodão transgênico em Marcelândia, o que se viu foi uma flexibilização drástica. Em maio, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguranç (CTNBio) liberou completamente o cultivo de transgênicos em Mato Grosso, em um processo marcado por conflitos de interesse.
“Frente aos novos dados, verifica-se que fluxo gênico não é um problema enfrentado pelos algodoeiros nativos e naturalizados, visto que o fluxo ocorre intra e extra grupo, sem perda de diversidade”, afirmou a CTNBio.
A votação foi embasada num relatório produzido pela Embrapa Algodão, que apontou não haver risco de contaminação do algodão nativo pelos genes transgênicos, por meio de polinização cruzada – que ocorre quando insetos levam pólen de uma planta para a outra.
Segundo o relatório, “a única espécie encontrada diferente da cultivada é o barbadense” e que essa variedade não favorece a contaminação pelo transporte de pólen de uma planta para outra. Essa variedade de algodão é usada por povos e comunidades tradicionais na produção de artesanato e para fins medicinais.
Especialistas na causa ambiental, ouvidos pelo site, porém, disseram que houve equívocos nos dados da Embrapa, que baseiam a decisão do CTNBio.
O engenheiro agrônomo Gabriel Fernandes, representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) na CTNBio, alertou para a fragilidade da decisão de liberar o cultivo de algodão transgênico no Estado. Segundo ele, a contaminação por cruzamento de sementes, prática comum na região, não foi devidamente considerada, invalidando a alegação de que zonas de exclusão seriam eficazes.