Por André Garcia
Deputados de Mato Grosso aprovaram projeto de lei que reduz de 80% para 35% a porcentagem da área que deve ser preservada em propriedades rurais na Amazônia. A proposta muda a classificação de áreas amazônicas para Cerrado, onde o percentual de preservação estabelecido pelo Código Estadual de Meio Ambiente é muito inferior, garantindo assim o avanço do desmatamento.
O documento foi apresentado e aprovado em primeira votação na sessão ordinária de 8/11 e deve retornar para segunda votação na semana seguinte. Na prática, a proposta amplia de 20% para 65% a área passível de desmate, afetando quase 11,5 milhões de hectares de florestas no Estado e permitindo a devastação de cerca de 5,2 milhões de hectares.
Em novembro, pesquisadores chegaram a formalizar uma denúncia pública contra o Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2024, enfatizando que o texto ignora os mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim como desconsidera a metodologia técnico-científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil.
“É uma autorização para o desmatamento de relevantes ambientes sob o véu de uma legalidade frágil e questionável, que vulnerabiliza a proteção de nascentes, de unidades de conservação e de terras indígenas e que ignora as mudanças climáticas, rebaixando o Estado de Mato Grosso e o Brasil em relação à proteção ambiental, às vésperas da realização da COP30 em Belém-PA, que tem como uma das questões centrais o combate ao desmatamento”, diz trecho da denúncia.
Além disso, como já mostramos, a flexibilização das normas coloca o agronegócio em risco, tanto por fragilizar um bioma essencial para atividade quanto pela possível perda de mercado, já que a imagem do estado no mercado internacional pode ser afetada se a proposta for interpretada como um retrocesso ambiental. Em um cenário de pressão por práticas sustentáveis, o setor estaria caminhando na contramão da competitividade.
O projeto
De acordo com o projeto, passam a ser considerados como pertencentes ao bioma Cerrado as savanas florestadas, conhecidas como “cerradão”, as florestas estacionais semideciduais, as florestas estacionais sempre-verdes e as áreas de transição entre diferentes formações vegetais, chamadas de ecótonos.
O texto propõe que a proporção existente em imóveis rurais onde coexistam vegetações de cerrado e florestas seja respeitada, garantindo a correta identificação de cada tipo de vegetação.Por exemplo, em uma propriedade rural de 100 hectares onde 30% da área seja composta por cerrado e 70% por vegetação florestal, a reserva legal deverá seguir as regras aplicáveis ao cerrado para os 30% da área, enquanto a reserva legal na área de floresta seguirá suas normas específicas. Para o caso inverso, a regra será aplicada da mesma forma de acordo com a porcentagem da área.
Manobras na ALMT
O texto do PL 18 que foi apresentado à ALMT em 22 de maio e recebeu parecer favorável da Comissão de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Recursos Minerais é diferente do que foi aprovado.
A versão original mencionava somente a mudança na classificação da fitofisionomia vegetal para fins de definição de reserva legal em imóveis rurais, que agora passaria a ser a do IBGE, que utiliza mapeamento na escala de 1:250.000. Atualmente, a escala do mapeamento adotado, do RADAM Brasil, é de 1:1.000.000, ou seja, de menor precisão.
No entanto, um substitutivo foi aprovado no dia 30 de outubro durante sessão ordinária. E o que representava uma maior precisão na classificação de áreas vegetais transformou-se na alteração da Amazônia em Cerrado no estado. Um parecer favorável a essas inclusões foi aprovado em primeira votação.
Em outra manobra, no mesmo dia, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ) se reuniu durante a sessão e o projeto já entrou em segunda votação com novo substitutivo e parecer favorável da Comissão. Apesar da estratégia questionável, o projeto não teve a votação definitiva, visto que houveram dois pedidos de vista.
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