Por André Garcia
Ao contrário do que espera o setor produtivo mato-grossense, a consolidação da lei que converte áreas com cobertura vegetal da Amazônia em Cerrado, além de comprometer a conservação dos dois biomas, pode desequilibrar os resultados da agropecuária, principal atividade econômica do Estado.
Aprovada em primeira votação pela Assembleia Legislativa, a norma resultará em aumento de até 5,2 milhões de hectares no desmatamento, o que compromete a captura de carbono, prejudica a imagem do setor no mercado externo e acentua impactos das mudanças climáticas, já que a agricultura depende em 90% das chuvas.
“Se o propósito é aumentar a produção, a lei é equivocada e prejudica, numa canetada, Amazônia e Cerrado”, critica André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
No próprio Estado, o agronegócio dá inúmeros exemplos de como a produção pode ser aumentada sem a abertura de novas áreas. É o caso da integração lavoura, pasto, floresta (ILPF), que abrange 2.2 milhões de hectares em Mato Grosso, combinando atividades agrícolas, pecuárias e florestais para otimizar o uso do solo.
Outra estratégia importante é a recuperação de áreas degradadas, tema que está na mira do Governo Federal e de empresas de outros países. É possível citar ainda a rotação e diversificação de culturas, o manejo integrado de pragas, o melhoramento genético e o avanço da agricultura de precisão.
“Estudos científicos já demonstraram que não é mais necessário derrubar nenhuma árvore para ter mais produtividade no campo. Em muitos casos, os ganhos podem dobrar ou até triplicar apenas restaurando áreas degradadas ou reutilizando pastos abandonados”, acrescenta André.
O projeto Conserv, do IPAM, é um bom exemplo disso. A proposta remunera produtores rurais para manter a vegetação nativa além da reserva legal. Ao todo, 31 contratos assinados com produtores do Pará e de Mato Grosso garantem a proteção de 24 mil hectares.
Ambições do Estado em jogo
O avanço da lei também representa impacto para a biodiversidade e perdas na captura de carbono. Neste contexto, coloca em jogo o projeto Carbono Neutro MT, que visa neutralizar as emissões de gases do efeito estufa até 2035, 15 anos antes da meta global de 2050.
Desde que lançou o programa, em 2021, o Governo do Estado tem buscado parcerias para projetos de produção de alimentos que neutralizem o carbono. O trabalho considera as exigências do mercado externo por produtos com selo de carbono zero e que comprovem a sua origem sustentável.
Planejamento territorial
Segundo o Ipam, a proposta de redução da reserva legal do bioma Amazônia também carece de fundamentos técnicos e de uma visão integrada ao planejamento territorial. Assim, há um desafio de monitoramento, tendo sua definição de limites baseada em critérios de altura, dificultando a delimitação.
A lei aprovada menciona mapas de vegetação e critérios técnicos, mas não articula com uma política pública integrada de uso do solo. Portanto, há risco de promoção ao uso desordenado do território, conflitos socioambientais, além de comprometer a preservação de áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade.
“A lei por si só, isolada de uma estratégia de planejamento territorial embasada em zoneamento ecológico econômico e outros instrumentos de políticas públicas, passa uma mensagem de leniência ao uso descontrolado dos recursos naturais”, avalia Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas do IPAM.
A Lei
Na última semana, a ALMT aprovou Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2024 que reclassifica partes da Floresta Amazônica como Cerrado. Com a mudança, a área de reserva legal nas propriedades rurais cai de 80%, que é o exigido pelo Código Florestal para a Amazônia, para 35%, limite fixado para o Cerrado.
Em novembro, pesquisadores chegaram a formalizar uma denúncia pública contra a proposta, enfatizando que ela ignora os mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e desconsidera a metodologia técnico-científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil.
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