Por André Garcia
A aprovação de uma lei estadual no Mato Grosso que reclassifica trechos da Floresta Amazônica como Cerrado representa uma ameaça aos compromissos climáticos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), que prevê a redução de até 67% das emissões de gases do efeito estufa até 2035.
Além disso, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 18/2024 pode dobrar a possibilidade de abertura de áreas desmatadas no estado e inviabilizar iniciativas como o recém-aprovado Mercado de Carbono, além de prejudicar a reputação da produção agropecuária local em mercados internacionais. É o que alertam especialistas que classificam a proposta como uma ameaça ao Código Florestal.
“Hoje, pela implementação do Código Florestal da forma que está, a possibilidade de desmatar legalmente no Mato Grosso seria de, mais ou menos, seis milhões de hectares. Aqui a gente está dobrando a possibilidade de abrir áreas”, explica Alice Thuault, diretora executiva do Instituto Centro de Vida (ICV).
A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, alerta ainda que a medida pode prejudicar também os próprios produtores rurais do estado em relação à comercialização internacional.
“O Código Florestal acaba trazendo uma valorização, uma segurança jurídica para aqueles produtores que realmente querem ter uma produção diferenciada, ter a regularização ambiental resolvida. Quando a gente começa a atacar, indiretamente, as premissas do Código Florestal, para diminuir o seu potencial de conservação, a gente acaba também impactando a reputação da produção nesta região.”
Alice destaca ainda que uma lei nos termos do texto aprovado inviabiliza uma série de políticas públicas para induzir a queda do desmatamento no País, prejudicando uma parcela da população que se beneficiaria dela, como o Mercado de Carbono, recentemente aprovado no Congresso Nacional.
“Essa legislação teve 15 votos a favor, 8 contra. Então, a gente considera até uma votação que não perdeu de lavada. A gente tem a esperança de que o governador de Mato Grosso possa vetar, porque esta lei vai acabar com a possibilidade, por exemplo, de ter um pagamento por crédito de carbono em grande parte do estado”, diz.
À Agência Brasil, as pesquisadoras apontaram que as iniciativas da Assembleia Legislativa do Mato Grosso refletem uma reação ao sucesso de uma política nacional que já traz resultados positivos no enfrentamento às mudanças climáticas.
“É uma visão negacionista do clima também, porque no Brasil 46% das nossas emissões de gases de efeito estufa vem de mudanças do uso da terra, basicamente de desmatamento. Então, quando eles fazem uma lei com esse conteúdo, como o PLC18, e se isso realmente for implementado, eles estarão contribuindo com mais emissões de gás de efeito estufa, conclui Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas da rede de organizações ambientais Observatório do Clima (OC).
A proposta
À espera de sanção pelo governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, o projeto de lei complementar (PLC) 18/2024, de autoria do próprio Executivo estadual, é uma ameaça a cerca de 5,5 mil hectares de floresta amazônica. A proposta permite a reclassificação de biomas a partir de critérios que poderiam levar ao entendimento de que toda essa área da Amazônia, passa a ser considerada Cerrado.
Em novembro, pesquisadores chegaram a formalizar uma denúncia pública contra a proposta, enfatizando que ela ignora os mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e desconsidera a metodologia técnico-científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil.
Por meio de nota, o governo de Mato Grosso informou que os deputados estaduais aprovaram um substitutivo integral, “proposto pelo deputado estadual Nininho, e não a proposta feita pelo governo”. A nota acrescenta ainda que “a proposta original não tem nada a ver com o texto aprovado”. Segundo o informativo, o texto aprovado não tem previsão de ser sancionado, pois ainda passa por análise técnica e jurídica pela equipe do Executo estadual.
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