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Clima coloca segunda safra de milho em xeque

Clima coloca segunda safra de milho em xequeToda produção agropecuária sofrerá com as mudanças. Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil)

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Por André Garcia

É fato: a Terra está mais quente do que nunca. Em alta acelerada, a temperatura pode passar de 2,5° até 2050, o que coloca em jogo um dos pilares da agropecuária nacional: a segunda safra de milho ou milho safrinha, como se chamava antigamente. A estratégia, que transformou o Brasil em uma potência mundial de grãos ao multiplicar a produção de milho e viabilizar a de soja, nossa principal commoditie, ficará comprometida em Mato Grosso, principal produtor nacional.

O alerta é feito por Eduardo Assad, pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro) e da Embrapa e uma das maiores referências em clima e agricultura no Brasil. Em entrevista exclusiva ao Gigante 163, ele destacou que as projeções exigem mais dedicação do setor para conter as emissões de gases do efeito estufa (GEE) e garantir o futuro da segunda safra e do agronegócio brasileiro.

“As projeções estão apontando para 2,6 graus em 2050. O que a gente projeta é que isso venha a reduzir a possibilidade de se fazer o milho safrinha. Esse vai ser o principal impacto. Alguns estudos da Embrapa e estudos que nós fizemos na FGV já indicam que essa redução é de 30 dias na opção de plantio da segunda safra”, explica.

Eduardo Delgado Assad  é referência em agronegócio e clima. Foto: Demian Golovaty/Divulgação

Hoje a segunda safra  corresponde a cerca de 75% da produção total de milho no Brasil, tendo ultrapassado em 2024 as 92 milhões de toneladas. Deste total, pouco mais que 45 milhões de toneladas saíram do Centro-Oeste, região que será a mais afetada pelo aquecimento global.

De acordo com Assad, a expectativa de aumento das temperaturas é de 4°C a 5°C acima da média histórica, o que pode tornar o plantio inviável em algumas áreas.

“O estado que nas nossas projeções seria mais atingido, aquele que a gente observa as maiores temperaturas, seria o Mato Grosso. Haverá também um impacto muito forte na região do estado de Goiás”, afirma.

Efeitos já são sentidos

Mesmo agora, os desafios de se produzir em um planeta mais quente já são encarados pelos agricultores da região. Conforme a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), graças a problemas com o clima, na safra de milho e soja 2023/2024,a receita bruta foi de R$ 1.036 por hectares, uma queda de 42,2% em relação ao ciclo passado. E isso é só uma amostra do que está por vir.

“Haverá redução da oferta de chuva. A chuva vai estar concentrada em determinados meses e isso pode trazer problemas sérios em termos de oferta hídrica para produção de sequeiro. É preciso parar de desmatar”, acrescenta o pesquisador.

Dinâmica ameaçada

A dobradinha soja/milho foi o modelo produtivo que mais avançou no Brasil nas últimas décadas. E não foi à toa, já que a safrinha otimiza o uso da terra e reduz custos ao garantir o aproveitamento de parte da fertilização e preparo do solo entre as lavouras. Com isso, o País ampliou a produção e pôde suprir sua demanda pelo cereal, sustentar a pecuária, e ainda competir diretamente com os Estados Unidos pela liderança no mercado global de milho.

Em 1980 a estratégia ocupava apenas 4% da área cultivada, tendo alcançado 36% na última safra. Mas a crescente instabilidade climática vem deixando este revezamento cada vez mais incerto.

Em 2025, enquanto a chuva atrasou a retirada da oleaginosa em MT, em MS a demora foi causada pela seca. Nos dois casos o milho foi prejudicado, levando insegurança sobre os resultados dos grãos.

“Estou ficando cada vez mais preocupado com isso, porque tem 35 anos que nós estamos falando. As emissões não estão diminuindo e os riscos e as perdas na agricultura estão aumentando. Foram mais de R$ 300 bilhões de perda na agricultura brasileira e olha o que está acontecendo este ano: de novo perdas na agricultura”, afirma Assad.

Adaptação

Diante deste cenário, como se pode pensar no futuro da agricultura? Para evitar a piora, Assad defende que o produtor incorpore técnicas que permitam gerar mais carbono no solo, reduzam a evapotranspiração e mantenham a água no solo. O plantio direto sustentável, o uso de plantas de cobertura para retenção de umidade e a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) são só alguns exemplos de como isso pode ser feito.

“Eu, particularmente, defendo muito integração lavoura-pecuária, mas defendo mais ainda integração lavoura pecuária floresta. No meu entendimento, nessa situação de crise, este será este será o futuro da nossa agricultura. Não podemos fechar os olhos para isso. É preciso ser mais efetivo nessas iniciativas sustentáveis”, conclui.

 

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