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Crise climática ameaça transformar Cerrado em deserto

Crise climática ameaça transformar Cerrado em desertoFoto: Fernando Frazão/Agência Brasil

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Por André Garcia

O aquecimento global ampliou a zona de clima semiárido no Brasil, que avançou pelo Nordeste e hoje já alcança outras regiões. Com a recente projeção de alta de 2.5º C na temperatura média da Terra, o Cerrado entra para esta rota e pode passar de cenário de prosperidade e liderança no agronegócio a palco para crise e conflitos pelo uso da água.

Ao Gigante 163 o diretor executivo do Instituto Cerrados, Yuri Salmona, explicou como as mudanças climáticas e a mudança do uso do solo, ou seja, o desmatamento para abrir áreas para pastagens e agricultura, têm sido os principais vilões nesta história, afetando diretamente a disponibilidade de água no bioma.

“Mais ou menos 56% da redução de água se dá por conta do desmatamento, por conta da mudança do uso do solo e 43% por conta das mudanças climáticas. Percebemos que isso tem um diálogo direto com aumento das áreas de semiárido, porque esses dois fatores também aumentam a aridez”, afirmou.

Um estudo do Instituto analisou os efeitos desses dois fenômenos e mostrou que o bioma está secando de maneira generalizada. Nas últimas quatro décadas, mais de 95% das bacias hidrográficas perderam em média 15% da vazão dos rios. Para 2050 a projeção é de que esse valor chegue a 33%.

Produtores já são afetados

A fórmula é simples: o desmatamento degrada o solo e aumenta a exposição aos fenômenos decorrentes das mudanças climáticas. No Cerrado isso já resulta na ampliação do período de seca, que se torna mais frequente e intenso, e na redução das chuvas, que vêm caindo com atrasos de até 60 dias e de maneira concentrada.

Desta forma, a terra perde sua capacidade de infiltrar a água, já que aumentam o escoamento superficial e a erosão, amplificando o fenômeno da aridez. Soma-se a isso, a alta da temperatura média de cerca de 1°C no bioma, onde, não por coincidência, nas zonas mais devastadas os termômetros registraram até 2ºC de calor.

“Tudo isso tem um impacto em todas as pessoas em diferentes ramos, em especial no agronegócio, porque os principais insumos da agricultura são a previsibilidade climática, o solo e a disponibilidade de água. Com o aumento da área de desertificação, temos mais áreas com solo exposto e menos capaz de sustentar a vida”, afirma Yuri.

O Cerrado vai virar deserto?

Segundo a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD), a desertificação é a degradação das terras em regiões onde já existe pouca chuva e muita perda de água (por evaporação do solo e transpiração das plantas). Essas áreas são chamadas de áridas, semiáridas ou subúmidas seca.

Pesquisadores do INPE e do Cemaden analisaram a variação da precipitação e a evapotranspiração no período entre 1960 e 2020. Crédito: MMA

Foi justamente isso o que apontou estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que mostra que a região semiárida cresceu em média 7.500 km² ao ano desde 1990. Ou seja, embora o bioma ainda não esteja em “desertificação”, ele não está livre desse processo.

“O que observamos no Cerrado, na escala do bioma, é que há uma redução da evapotranspiração e um aumento da temperatura superficial. Há algumas regiões do Cerrado, e essas alterações são mais intensas”, diz a professora da Universidade de Brasília (UNB), Mercedes Bustamante, referência em estudos sobre o bioma.

Falta d’água

O Cerrado concentra cerca de 80% da área irrigada do País e a irrigação na agricultura, especialmente para a produção de commodities como a soja e o milho, é responsável pela captação de cerca de 50.5% da água no Brasil.  E a irrigação é intensificada logo no período de seca, quando a disponibilidade já é baixa.

“Então daí você vê a importância de pensarmos na segurança hídrica para garantir a água para a agricultura. Todos esses fatores associados estão dificultando a produção tanto de alimentos quanto de commodities agropecuárias. Isso é ruim para todo mundo”, ressalta Yuri

Disputa por água

De acordo com o pesquisador, em curto e médio prazo isso reduz a disponibilidade de água superficial, como rios, lagos, córregos e represas. Essa água, utilizada pela agricultura familiar e por comunidades tradicionais, que muitas vezes fazem pequenos regos d’água para poder irrigar suas lavouras, já é disputada por grandes produtores.

“Isso gera uma série de conflitos, uma disputa por água. Isso é comum em regiões como o Oeste da Bahia, onde se tem um modelo de ocupação centrado em mega fazendas com irrigação captando água do aquífero ou fazendo até os piscinões. Então, por vezes, a captação de água para irrigação é maior que a de cidades inteiras”, conclui ele.

 

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