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Falta de cobertura vegetal nativa agrava formação de tempestades de poeira

Falta de cobertura vegetal nativa agrava formação de tempestades de poeira

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As tempestades de terra que, nos últimos dois meses, têm ocorrido com frequência no interior de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso são provocadas pela seca, aliada ao início das chuvas da primavera. Mas a falta de cobertura vegetal nativa na região de Ribeirão Preto (SP) é um agravante para a ocorrência do fenômeno. Embora o local esteja 1.300 km distante da nossa capital Cuiabá, as causas do episódio paulista podem ser as mesmas para o que ocorreu em nosso Estado.

Nas cidades da região, a vegetação nativa não chega a 10%; em Ribeirão Preto, a média é de 9,2%, enquanto em Jaboticabal e Hortolândia a situação é ainda pior, correspondendo a 4,5% e 5,9%, respectivamente, de acordo com dados do Instituto Florestal de São Paulo.

Especialista em Gestão e Instrumentos de Política Ambiental e das Águas, o professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), Marcelo Pereira, diz que a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, lei federal n. 12.651/12, determina a manutenção de 20% para essas áreas, o que significa “que os municípios da nossa região nem de longe observam aquilo que é colocado na legislação de cobertura de vegetação nativa”, afirma.

As tempestades de terra são típicas de regiões desérticas, como o deserto do Saara, na África, e Oriente Médio, mas ocorrem aqui no Brasil em áreas que são grandes produtoras agrícolas, como é o caso da região. As práticas agrícolas que deixam a terra descoberta também contribuem para a formação de nuvem de poeira ou areia. Para mitigar os impactos e a ocorrência do fenômeno, o professor aponta que é necessária “uma política pública bastante atuante para que as propriedades rurais mantenham extensões de cobertura vegetal que atendam a legislação”.

A meteorologista e doutoranda pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Isabela Talamoni Lima, concorda que “são necessárias medidas governamentais fortes que promovam boas práticas no uso do solo, como leis de combate ao desmatamento e a prática de queimadas”.

Para o professor Pereira, é necessário ainda que as Áreas de Preservação Permanente (APP) e recuperação de reservas legais estejam associadas à “recuperação vegetal, fruto de uma política ambiental mais conservacionista”, para a aplicação de técnicas de manejo e solos mais adequados. A meteorologista Isabela também defende o incentivo ao reflorestamento e métodos agrícolas mais sustentáveis.

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Uma das causas desse fenômeno está nas condições climáticas, como explica Isabela. A seca, aliada ao início das chuvas da primavera, provoca as tempestades, porque o solo se encontra seco e aerado, fazendo com que o material particulado e a poeira fiquem suspensos na atmosfera. Quando há a formação de nuvens e ocorrências de chuvas, “características do período chuvoso”, nas primeiras áreas de instabilidade, acontece a formação de “uma forte corrente descendente de ar frio que atinge o solo em alta velocidade, formando as rajadas de vento”, como as registradas em Ribeirão Preto, que atingiram cerca de 90km/h.

 

Com a aproximação e formação das cumulonimbus, nuvens com raios, chuva e ventos fortes, “as rajadas associadas suspendem e carregam as partículas do solo ao longo da troposfera, formando o fenômeno da tempestade de areia”, afirma a meteorologista, informando que o fenômeno dura pouco tempo, sendo dissipado pela chuva, mas pode ter relação com o aquecimento global.

Embora seja um fenômeno natural “e muito importante para a manutenção da vida na terra”, Isabela acredita que as “grandes emissões antropogênicas de gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono”, possam potencializar as tempestades. Mas, prudentemente, adianta que ainda é cedo para afirmar que essas tempestades são consequência do aquecimento global.

Relação com o cultivo da cana-de-açúcar 

Segundo o professor Pereira, a seca, a queimada e a geada, registradas na região em julho deste ano, obrigam os produtores a “reformar o canavial”, o que, na maior parte das vezes, consiste na retirada da soqueira de cana-de-açúcar, raízes que sobram dentro e fora da terra após o corte, deixando “todo o solo exposto”.

É assim que, na avaliação do professor, o solo exposto é combinado à baixa umidade relativa do ar e às temperaturas elevadas, favorecendo a ocorrência desses fenômenos. “Portanto, manejo agrícola e, principalmente, o extenso plantio de cana-de-açúcar, a monocultura, facilitam esse fenômeno, sim”, afirma o especialista.

Material particulado presente nas tempestades

Estudo feito com a água da chuva coletada em Ribeirão Preto, logo após a tempestade de 26 de setembro, revela que havia ressuspensão de solo e de queima de vegetação, numa “composição química diferente de tudo o que já havíamos visto”, conta a professora Maria Lúcia Campos, especialista em química ambiental da FFCLRP. A própria aparência da água coletada chamou a atenção, pois o material estava visivelmente “muito rico em partículas” provenientes da ressuspensão de solo.

Segundo a professora, os elementos cálcio e magnésio estão naturalmente presentes no solo, mas as análises laboratoriais confirmaram altas concentrações desses marcadores no solo (quatro a, aproximadamente, 100 vezes maior) comparadas com as amostras coletadas desde 2005. E, quando uma amostra tem grandes concentrações desses elementos, “a gente sabe que houve uma grande ressuspensão do solo antes do evento de chuva”.

Os estudos da professora, no contexto das mudanças climáticas, investigam as emissões atmosféricas em regiões canavieiras. E os resultados dessa última análise reforçam os comentários do professor Pereira e da meteorologista Isabela sobre as tempestades de poeira e areia de que o material que estava sobre o solo foi ressuspenso para a atmosfera precipitado com a chuva.

Maria Lúcia diz que encontrou outro agravante junto ao cálcio e magnésio, os marcadores de queimadas de biomassa. É que as queimadas são a marca da estação seca na região, o que resultou num grande “aporte de material orgânico nessa chuva”. Os marcadores de biomassa mais observados foram os ácidos orgânicos acético e fórmico, além do carbono orgânico, “que se dissolve na água de chuva”. Segundo a professora, as concentrações de ácidos orgânicos encontrados eram de duas a 43 vezes maiores, enquanto as de carbono orgânico dissolvido, de duas a 153 vezes maiores que as verificadas nas análises anteriores.

Fonte: Jornal da USP