A aprovação do projeto de Lei 6299/02, chamado pelo setor agropecuário de “Lei do Alimento Mais Seguro” e por críticos ao texto de “PL do Veneno”, poderia reduzir a dependência brasileira de matérias-primas provenientes da China, defende o presidente executivo da CropLife, Christian Lohbauer.
O texto propõe, entre outros pontos, alterações que acelerariam o processo de registro de novas moléculas, muitas delas produzidas em outros países que não a China, explica ele. O setor vem se articulando para conseguir aval ao texto na Câmara ainda neste ano e, então, levar a discussão ao Senado em 2022.
“De milhares de produtos na fila para serem aprovados e obterem seu registro no Brasil, apenas 25 dizem respeito a produtos de fato novos no mercado, moléculas novas. A aprovação de novos defensivos certamente reduziria a dependência de insumos provenientes da China”, afirma Lohbauer. “Se a Syngenta, por exemplo, aprovar um novo produto daqui um ano, ele virá da Suíça, e não da China”, continuou.
Segundo a CropLife, 32% dos insumos e ingredientes importados pela indústria de defensivos do Brasil vêm da China. Outros 11% são provenientes dos Estados Unidos e mais 11%, da Índia. Há ainda insumos importados, em menor proporção, da Inglaterra, Alemanha, México, Suíça e outros países, conforme o executivo. “A dependência dos insumos chineses vem crescendo e não é uma questão brasileira, é mundial. À medida que os produtos perdem a patente, começam a ser produzidos na China”, argumentou.
A aprovação de novos registros de agroquímicos no Brasil é criticada por organizações não governamentais e pesquisadores sob a justificativa, entre outros argumentos, de que alguns dos produtos são proibidos em outros mercados, como o europeu. Contudo, o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), doutor em Agronomia e Proteção de Plantas e Livre-Docência pela Unesp e que concluiu seu pós-doutorado pela Unesp e pela unidade de pesquisa sobre o uso de produtos naturais (NPURU, na sigla em inglês) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), Caio Carbonari, afirma que novas moléculas têm melhor impacto ambiental e demandam menos aplicações.
“Fizemos um levantamento do banco de dados de registros de defensivos no Brasil desde a década de 1970. Se compararmos os produtos desenvolvidos na década de 1970 e os que estão na fila aguardando registro, estes têm uma redução de 91% na quantidade utilizada por hectare”, explica o pesquisador. “Olhando indicadores do risco associado ao uso desses produtos, a redução é maior ainda, porque são mais específicos, mais eficientes, demandam doses menores com eficiência maior. Também têm um nível de segurança maior para o aplicador e o consumidor do que os produtos antigos, ainda que os antigos sejam seguros”, acrescentou.
Ainda conforme dados apresentados por Carbonari à reportagem, em 2019, dos 29 ingredientes ativos que aguardavam aprovação do governo brasileiro para uso no País, 17 já estavam aprovados nos Estados Unidos, 16 no Canadá, 15 na Austrália, 14 no Japão e na União Europeia e 13 na Argentina.
“Nossos concorrentes estão tendo acesso a essas ferramentas muito antes do que nós”, afirmou.
O PL 6299 tem bastante similaridade com o Decreto 10.833, publicado pelo governo federal no dia 8 de outubro. O Decreto fixou em até três anos o prazo para análise de registro – até então era de 120 dias, mas na prática o tempo médio é de oito anos, segundo Lohbauer. O texto também estabeleceu a criação do registro de aplicador e obrigatoriedade de treinamento para os profissionais, novas rotinas administrativas de análise e registro no Ministério da Agricultura, no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre outros pontos.
“A matéria (do PL e do decreto) é a mesma. A pressão (do setor) pelo decreto nasceu de uma frustração com o PL, que seria votado em 2019 mas acabou não sendo votado. A partir de então começamos (a indústria) a buscar outros caminhos, como o decreto, que acabou sendo publicado agora”, contou Lohbauer. “Estamos tentando mudar uma lei de 1989, quando o Brasil era importador de alimentos. Imagina o que o agro não mudou de lá para cá”.
O executivo reforçou que o cerne do decreto, assim como o do PL, é destravar a aprovação de novas moléculas.
“No modelo atual, novas moléculas concorrem com um produto velho (genérico). O decreto, em tese, resolveria a questão, mas ele não tem força de lei”, pondera. “São coisas do sistema legislativo brasileiro: a lei implica em punição, enquanto o decreto, se não for cumprido, abre espaço para a autoridade púbica se justificar”, explicou.
O PL prevê que, se em três anos uma nova molécula não for aprovada, o governo deverá emitir uma licença temporária desde que o produto já tenha aprovação em outros três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Isso é um ponto vital. Se eventualmente um órgão disser que não tem dinheiro, gente ou equipamento para a análise, poderemos cobrar que está na lei e que é preciso cumpri-la”.
Outro ponto estabelecido no PL é que as análises dos produtos serão feitas considerando a metodologia de análise de risco, adotada nos Estados Unidos, e não a análise do perigo, preponderante na União Europeia. Na primeira, explica Carbonari, o risco é avaliado nas reais condições de uso do produto, e não de forma isolada. Já na análise de perigo, se um produto químico oferece certo nível de perigo por si só, sem considerar as condições de uso, ele não é aprovado.
“Se adotássemos o princípio do perigo, talvez não tivéssemos nenhum medicamento (para a saúde humana) no mercado. Do ponto de vista científico, a análise de risco é a mais aceita”, explicou o pesquisador.
Entre outros pontos do PL, Lohbauer chama a atenção para a obrigação de treinamento e cadastramento de aplicadores costais (que levam o equipamento nas costas) de produtos – já prevista no decreto. “A indústria já começou a fazer o cadastro dos aplicadores”, informou. Segundo ele, 2,5% de todo o volume de defensivos químicos são aplicados no Brasil com equipamento costal. O trabalho é realizado por aproximadamente 1,7 milhão de pequenos agricultores.
Fonte: Estadão Conteúdo