Por Vinicius Marques
A atual crise de fertilizantes expôs não só a dependência do agronegócio brasileiro em relação ao insumo que vem da Rússia hoje em guerra com a Ucrânia, mas também a urgência de o setor começar a focar na fertilidade do solo a partir de manejos mais eficientes das propriedades rurais. Os fertilizantes são apenas um dos itens para alcançar esse objetivo.
A mudança de rota inclui desde uma gestão correta contra o desperdício dos insumos, muitas vezes aplicados em excesso, até um plantio direto, integração lavoura-pecuária e mesmo consórcios com plantas de cobertura. Se a guerra no Leste Europeu colocou os fertilizantes na boca do agricultor, é preciso agora que a fertilidade do solo germine em mentes e corações.
“Momentos de crise são importantes para nos levar à busca de novos caminhos”, diz Maurel Behling, pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril e especialista em nutrição vegetal, ao Gigante 163.
Para o pesquisador, é importante seguir a técnica de manejo de nutrientes 4C — “a fonte certa, dose certa, local certo e hora certa”.
Assim, para que não haja desperdício de insumos e redução da produtividade e da qualidade do solo, o agricultor faz uso de produtos e técnicas que não visem apenas ao desenvolvimento de uma cultura específica (seja de soja ou outra safra), mas de todo o ecossistema de produção.
“É mais interessante pensar no sistema como um todo. Por exemplo, fazer uma adubação no milho que vai beneficiar a safra seguinte da soja; da mesma forma que o milho se beneficia do nitrogênio fixado pela soja. Assim, o produtor só faz correções mais pontuais”, explica Behling. “Às vezes eu não preciso fazer adubação cultura a cultura, eu passo a pensar o sistema como um todo e a otimizar essa atuações.”
O pesquisador afirma que, ao unir boas práticas do agro, como sistemas de plantio direto, integração lavoura-pecuária e mesmo consórcios com plantas de cobertura, o aumento de eficiência é nítido, permitindo ao produtor até mesmo elevar os patamares da produção.
“No passado, as recomendações de fertilidade eram muito voltadas para um conceito mais mineralista”, relata Behling. “Quando, na verdade, é muito mais amplo; envolve o tripé químico, físico e biológico.”
Segundo ele, mesmo áreas com grande concentração de nutrientes químicos, como fósforo e potássio, podem apresentar baixa produtividade, por causa de fatores limitantes que devem estar na mira do proprietário de terra.
“O problema maior não é um determinado fertilizante, mas a baixa eficiência que o produtor obtém ao fazer o mau uso dos insumos.”
O produtor sabe que o uso em excesso desses produtos pode prejudicar a saúde do solo. Behling lembra que uma quantidade excessiva de potássio pode desequilibrar a ciclagem de nutrientes, desfavorecendo a absorção de outros componentes importantes para a planta. O excesso de cálcio, por sua vez, pode causar a compactação do solo. Por isso, o especialista em nutrição vegetal defende a adoção da agricultura de precisão, distribuindo os nutrientes de acordo com a demanda de cada área.
“Até então, o que vinha sendo feito é um consumo de luxo desses produtos. Hoje é o momento de rever decisões equivocadas que foram tomadas no passado. Precisamos pensar nessa questão da eficiência do sistema de produção; o processo de conservação de solo e água é fundamental para a conservação dos nutrientes”, ressalta o pesquisador da Embrapa.
Além disso, a Embrapa, por meio do Plano Nacional de Fertilizantes, promoverá em abril a Caravana FertBrasil, divulgando fontes alternativas de nutrientes. Um exemplo é o pó de rocha, material mineral de diferentes composições — a depender da demanda — que libera gradativamente parte de seus nutrientes com ajuda da ação de microorganismos do solo.
“E tem também os biofertilizantes, que são uma outra forma de diminuir a dependência das fontes nutritivas convencionais”, completa Behling.
Comodidade e apego ao passado sem atualização do presente não levarão o produtor a vencer essa guerra.
“Muitas vezes, o produtor resiste a alternativas inovadoras e mais eficientes por comodidade mesmo, pela facilidade de seguir a rotina da fazenda. Ele acaba vendo essas mudanças como um custo, não como um investimento. No entanto, a crise oferece a ele a oportunidade de romper barreiras e encontrar novos modos de produzir, reduzindo custos e gerando um bom retorno”, conclui o pesquisador.
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