Por André Garcia
Amazônia e Cerrado apresentam situações opostas com relação ao desmatamento. Enquanto no primeiro caso os alertas de desmate caíram 42,5%, no segundo, subiram 21,7%, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre os sete primeiros meses de 2023. Os números evidenciam a fragilidade na proteção do Cerrado, condenado a “zona de sacrifício”, segundo cientistas.
Uma das explicações para este contraste diz respeito à área de reserva legal, de 80% na Floresta Amazônica contra apenas 20% no Cerrado. Isso significa que a devastação neste bioma é, em grande parte, autorizada, o que impede autuações por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
A questão foi tratada pelo secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança Climática (MMA), João Paulo Capobianco, durante a apresentação dos dados, na quinta-feira, 3/8.
“Este fator exigirá discussão importante da sociedade brasileira. Ao contrário da Amazônia, em que a reserva legal obrigatória é de 80%, no Cerrado é de 20%. Então há a possibilidade de autorização de desmatamento legal em grande quantidade, que é o que está acontecendo.”
A discrepância entre os biomas também está relacionada às ações de controle e combate. Ao longo do ano, o Ibama emitiu no Cerrado 482 autos de infração, 21% a mais que em 2022. Já na Amazônia, foram expedidos 3.967 autos de infração, aumento de 173% em relação ao mesmo período do ano passado.
“Essas autuações têm papel muito relevante porque retratam as presenças das equipes em campo, mostrando a presença do poder público e que não haveria mais complacência em relação ao desmatamento”, disse o secretário executivo.
Outro fator mencionado por ele foi o menor tempo de ação concentrada, já que o trabalho do Governo começou no início do ano na Amazônia e só em maio no Cerrado. O resultado foi a queda no desmatamento em todos os estados amazônicos, mudança bastante considerável já que, no semestre anterior, a tendência era de aceleração.
Por outro lado, a derrubada disparou na região de Cerrado conhecida como Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Para se ter ideia, apenas 10 municípios situados nestes estados concentram 31% do desmatamento.
Além disso, o Governo conta com o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) desde junho, enquanto o PPCerrado só deve ser lançado em outubro.
Atenção internacional
As diferenças entre os biomas também se mostram na forma como são tratados pela comunidade internacional. A União Europeia (UE), por exemplo, endureceu as regras sobre a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento. Contudo, a definição florestal adotada por sua nova legislação abrange apenas a região amazônica.
Isso deixa 74% do Cerrado desprotegido, fazendo da região uma “zona de sacrifício” frente ao desenvolvimento agrícola. É o que aponta carta publicada pela revista Nature Sustainability em 17/7, na qual cientistas pedem a priorização do bioma em discussões diplomáticas.
“O Cerrado está excluído dos principais esforços de sustentabilidade do agronegócio – notavelmente, a Moratória da Soja, um bem-sucedido acordo de desmatamento zero de várias partes interessadas que se aplica apenas ao bioma amazônico. Além disso, novas propostas legais devem piorar essa situação”, diz trecho da carta.
Ameaça
O Cerrado está presente em 14 estados e mais o Distrito Federal, cobrindo cerca de 25% do território nacional. A região é a mais biodiversa do mundo e tem mais de 4,6 mil espécies de plantas e animais que não são encontrados em nenhum outro lugar.
Também é lá onde nascem oito das 12 principais bacias hidrográficas do País, que abastecem milhares de cidades, a indústria e a própria agropecuária. São 3.427 nascentes que correm para a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e a Mata Atlântica.
Como já mostramos, se for mantido o ritmo atual de desmatamento, estima-se que, em 2050 haverá apenas 47% do bioma em pé. A porcentagem está diretamente ligada à ocupação agrícola, e pode resultar na diminuição do volume dos rios, comprometendo, além da irrigação das lavouras, o abastecimento público e o energético.
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