O Gigante 163 convidou diversos especialistas, produtores e influenciadores para colaborar com conteúdos que interessam os nossos leitores – profissionais do agronegócio.
Neste mês, estamos concentrando os nossos conteúdos em preservação do solo, e fertilizantes alternativos. Sabemos que este é um assunto de importância para o agricultor, mas principalmente neste momento da nossa história – tanto nesta crise de fertilizantes, quanto na crise climática. No artigo “Convida” de hoje, Andreza Cruz – Engenheira Agrônoma Especialista em ILPF (Integração Lavoura-Pecuária-Floresta) e Iara Corrêa – Mentora de Liderança em Fazendas e Liderança Feminina no Agro, contam sobre o passado, presente e futuro do nosso solo, demonstrando também suas preocupações com a preservação do solo e o porquê devemos nos importar com este bem.
Encontre outras matérias de convidados aqui, e aproveite o artigo da Iara e Andreza abaixo.
Com uma história de mais de 360 milhões de anos, o solo tem sido crucial em quase todos os aspectos da vida humana para armazenar e filtrar água, regular o clima, prevenir enchentes, reciclar nutrientes e decompor matéria orgânica.
A terra sob nossos pés também pode ser um grande depósito de carbono, impedindo que este se transforme em CO2 na atmosfera. Esses temas, como a emissão de carbono, mudanças climáticas e aquecimento global, têm permeado a mídia, mas não se ouve falar do solo. Sendo assim, o site Gigante 163 nos fez um convite para trazer um conteúdo sobre o assunto, demonstrando também a nossa preocupação com a preservação do solo e evitando, assim, uma possível escassez alimentar e outras tragédias com toda a população do planeta nos próximos anos.
A verdade é que estamos com problemas quanto à qualidade desse bem tão importante. Segundo estudo de 2015 da FAO (Food And Agriculture Organization), cerca de 33% do solo em nível global está moderadamente ou altamente degradado.
Sendo assim, só nos restam de 80 a 100 colheitas, o que significa, aproximadamente, 40 a 50 anos de solo agrícola viável no planeta. Por volta de 2045, produziremos 40% menos de alimentos do que estamos produzindo atualmente.
Com esse cenário projetado, somado à previsão do aumento populacional pela ONU (Organização das Nações Unidas) para 9,7 bilhões de pessoas em 2050, já é possível falar em escassez de alimentos, nutrientes e água, o que resultará, nos próximos 25 anos, em consequências inimagináveis, como guerras por esses itens básicos de sobrevivência.
Mas afinal de contas, o que está acontecendo com o nosso solo?
De acordo com a Embrapa, solo é o resultado de um paciente trabalho da natureza, com cerca de 400 anos para se formar 1 cm de solo. Partículas (minerais e orgânicas) vão sendo depositadas em camadas devido à ação da chuva, vento, calor, frio e de organismos (fungos, bactérias, minhocas, formigas e cupins), que vão desgastando as rochas de forma lenta no relevo da terra.
Visto que esse é um trabalho colaborativo, com muitas variáveis envolvidas, quando uma delas está em desequilíbrio, esse solo sofre as consequências. O uso excessivo de máquinas agrícolas compromete a estrutura dos solos, podendo causar erosão e compactação, diminuindo espaço para raízes, oxigênio, água e microrganismos.
Um artigo da BBC Earth de 2016 destaca que a agricultura está revertendo bilhões de anos de evolução do solo e tornando solos mais vulneráveis à erosão. Metade da camada superior do solo, sua parte mais ativa e importante, se perdeu nos últimos 150 anos.
Além da questão física, a biodiversidade do solo pode ser ameaçada pelo uso de fertilizantes químicos e defensivos agrícolas de forma desordenada. Calcula-se que 56% da biodiversidade do solo da União Europeia esteja sob algum tipo de ameaça (FAO, 2015).
E como reverter essa situação? Com técnicas de manejo responsáveis.
Um componente essencial para a reconstrução dos solos degradados é a matéria orgânica, que nada mais é do que toda substância decomposta no solo, proveniente de plantas, microrganismos e excreções de animais.
A pesquisadora da Embrapa Ieda Mendes diz que a matéria orgânica é o principal fator da fertilidade dos solos tropicais. Sistemas de manejo que favorecem o seu aumento maximizam não só resultado da adubação, mas o desempenho geral do solo e das culturas.
Na matéria orgânica está presente o carbono, que naturalmente é emitido para a atmosfera em forma de dióxido de carbono (CO2) pela respiração das plantas e queimadas.
O problema acontece quando há um revolvimento excessivo do solo pela aração, que oxida essa matéria orgânica, podendo resultar em até 81,3 g CO2/m² emitidos para a atmosfera num período de 5h.
Muitas vezes é necessária uma descompactação do solo para viabilizar uma cultura, porém, pode ser sempre seguida de manejos mais sustentáveis para manter essa estrutura e não precisar mais dessa intervenção antrópica.
Outra forma de perder matéria orgânica é o desmatamento seguido de queimadas e o manejo incorreto das pastagens, que aumenta as emissões pelos solos degradados e não compensa as emissões de metano (CH4) dos animais, que na natureza é absorvido pelas pastagens e florestas ao redor.
Para aumentar a matéria orgânica, ou no caso do carbono estocado no solo, é preciso não apenas minimizar o revolvimento do solo, mas também maximizar o retorno de material orgânico por meio do uso de culturas de cobertura.
Esse processo inclui fazer a rotação de culturas, usando sistemas de produção integrados, aproveitando todos os resíduos animais e vegetais da propriedade, evitando assim a degradação e emissão de carbono, além de diminuição de custos de produção, com insumos vindos da própria fazenda.
“O mundo não sobrevive sem a agricultura brasileira”
A fala recente da diretora-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Ngozi Okonjo-Iweala, em visita à Frente Parlamentar da Agropecuária, reforça o nosso papel de destaque para garantir a segurança alimentar global.
O Brasil é o quarto maior exportador global de grãos, tais como arroz, feijão, soja, milho e trigo atrás de União Europeia, Estados Unidos e China, e o maior exportador de carne bovina, com o maior rebanho bovino do mundo, segundo a Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (Sire) da Embrapa.
Temos dois lados da balança para equilibrar: os desafios climáticos e as pessoas a serem alimentadas. Tecnologias produtivas com potencial de “descarbonização”, ou seja, conjunto de ações que visam diminuir a concentração de carbono do solo e do ar, são peças-chaves para atingir esse equilíbrio.
É preciso mudar a narrativa de que o solo é como uma matéria-prima de produção inesgotável para a de que o solo é um legado que recebemos das gerações anteriores, sendo o nosso dever entregarmos um solo vivo para as gerações futuras, como diz o ditado indígena: “Nós não ganhamos a terra dos nossos antepassados, pedimos emprestada aos nossos filhos”.
Sendo assim, cabe a todos nós, cidadãos, mas principalmente formadores de opiniões, cientistas, investidores e líderes mundiais apoiarmos a importância da produção de alimentos aliada à preservação do solo, buscando soluções de longo prazo, pois é essencial que a regeneração do solo seja incorporada na política de todos os governos no planeta.
Por fim, a boa notícia é que se começarmos a tomar conta agora dos nossos solos, podemos aproveitar sua capacidade de estocar carbono e usar essa poderosa ferramenta no combate às mudanças climáticas, podendo assim honrar nossos ancestrais e deixar um futuro promissor aos próximos que virão.