Em protesto à construção do Porto Barranco Vermelho, no Rio Paraguai, em Cáceres (MT), 168 entidades divulgaram uma carta-denúncia, na sexta-feira, 11/2. As organizações alertam para o que chamam de “possíveis manobras para liberar a instalação de um terminal, que, além de prejudicar as comunidades locais, o empreendimento pode causar o fim do bioma Pantanal”.
A licença prévia para construção da Unidade Portuária de Barranco Vermelho, no Rio Paraguai, foi aprovada em 26 de janeiro, pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema). Segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), trata-se de um complexo de armazenagem de cargas que servirá para embarque e desembarque de mercadorias da produção agropecuária da região para transporte pela hidrovia Paraguai-Paraná.
Na carta, eles afirmam que a licença prévia ignora orientações e recomendações de organizações ambientalistas, governamentais, produções e estudos acadêmicos, além de posicionamentos públicos do Ministério Público Federal.
Como exemplo, eles citam organizações ambientalistas como o Observatório Pantanal e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). Ambos manifestaram posicionamentos contrários “à navegação no Pantanal, via Rio Paraguai, alertando que a construção da hidrovia causará danos à Estação Ecológica de Taiamã e ao meio ambiente como um todo, inclusive à atividade pesqueira”.
De acordo com o texto, há contra a instalação do porto no Rio Paraguai ainda o parecer técnico sobre a hidrovia Paraguai-Paraná, elaborado pela pesquisadora Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pantanal, Débora Fernandes Calheiros. Ela nomeia de forma detalhada que a criação da hidrovia colocará em risco: a Unidade de Conservação Federal – Estação Ecológica de Taiam, o Parque Estadual do Guirá, localizado junto a foz do Rio Cuiabá; e o Parque Nacional Pantanal Mato-grossense, considerado como Sítio Ramsar em 1993 – sítio de área úmida de importância internacional pela Convenção Ramsar de Conservação de Áreas Úmidas
Além dos alertas e recomendações explicitas sobre as ameaças que resultariam da circulação de embarcações nos rios do Pantanal, as entidades destacam no texto que há ações do Ministério Público Federal (MPF) junto à Justiça, pelo menos nas duas últimas décadas, com o propósito de barrar tais empreendimentos
Em coletiva, que ocorreu na Associação dos Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), organizações revelaram que decidiram denunciar o processo e já protocolaram pedidos de audiência junto ao MPF, Ministério Público Estadual (MPE), Tribunal de Justiça (TJMT), Governo do Estado e Assembleia Legislativa (ALMT).
Nas falas de pesquisadores e membros de entidades, foram destacadas a falta de transparência, a pressa em lidar com a questão e as falhas do processo. A coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, Claudia Sala de Pinho, lembrou que os moradores não foram ouvidos nesse processo.
Os estudos não consideram as populações pantaneiras. O Estado, o Poder Público, não pode ignorar a existência de grupos sociais que vivem na região há milênios. Além disso, não é empresa que faz audiência, é o Estado”, afirmou.
Ela destacou ainda os impactos nos aspectos econômicos, culturais e ambientais que a instalação do porto em Cáceres vai causar.
“Quanto vale tirar o alimento do rio para sustentar sua família, as vezes três, quatro filhos? Esses aspectos não foram considerados. O documento apresentado ao Consema/MT visa apenas cumprir um protocolo. O projeto prevê a criação de 135 empregos. O que significa isso numa cidade como Cáceres, de mais de 100 mil habitantes? O aspecto negativo toda a sociedade vai pagar”, concluiu.
A pesquisadora Márcia Montanari, do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (NEAST/UFMT) e diretora da Associação dos Docentes da UFMT, disse que o projeto vai contra as reais necessidades do Pantanal.
“O NEAST realiza o monitoramento das águas do Pantanal e já identificou resíduos de agrotóxicos utilizados na cultura da soja e do algodão, tanto na água da chuva quanto no abastecimento. Isso é preocupante para a saúde ambiental e humana”, afirmou a docente.
O membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema/MT), Lourival Vasconcelos, que relatou as falhas nos estudos apresentados pela Sema-MT, lembrou que o Porto Barranco Vermelho é apenas um dos empreendimentos previstos para a região. Ele baseou suas críticas em três aspectos: insegurança jurídica, estudos e avaliação dos impactos não realizados e comunidades não ouvidas.
“São 111 pendências. Isso representa 680 páginas de perguntas sem respostas no EIA/RIMA, descaracterizando o documento. Virou uma colcha de retalhos. Nesses casos, a legislação brasileira prevê o indeferimento de qualquer documento, porque, pelo princípio da precaução, se eu não tenho certeza, devo privilegiar o meio ambiente”, disse.
Aqui é possível ler a carta na íntegra.
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