Em resposta à crise do atual modelo agroindustrial dominante, que produz em larga escala para consumo em massa, o abastecimento de alimentação escolar com produtos frescos e orgânicos oriundos da agricultura local e familiar é uma promessa para uma transição ecológica para novos modelos de produção, os chamados Sistemas Agroalimentares Alternativos (SAA) que causam menor impacto ambiental. Essa foi a constatação de uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, feita em parceria com a Université Paris 8 Vicennes-Saint-Denis (França).
Os SAA surgiram nos anos 2000 a partir de reivindicações de movimentos sociais. Segundo a pesquisa, o termo agrupa diferentes iniciativas que se caracterizam por práticas agrícolas de comercialização e de consumo que buscam soluções frente aos problemas causados pelo sistema agroindustrial vigente.
A agroecologia, por exemplo, inclui a substituição do uso de agrotóxicos e adubos químicos por insumos naturais e orgânicos em suas produções, e os agricultores devem estar comprometidos com inúmeros procedimentos técnicos que vão desde a conservação do solo, manejo ecológico de pragas e doenças à destinação adequada de resíduos sólidos.
Além da questão agrícola, os SAA propõem a construção social de um mercado orgânico agroecológico, que privilegia agricultores locais e familiares em pequenas propriedades rurais próximas a grandes regiões metropolitanas, de forma a diminuir a distância entre quem produz e quem consome.
O estudo franco-brasileiro foi baseado na análise comparativa de duas leis promulgadas em 2009 que apoiam a agricultura alternativa, uma do Brasil e outra da França, países agroexportadores e cuja balança comercial tem se mantido equilibrada pelo setor agrícola. Um dos objetivos do estudo foi compreender em que medida as políticas públicas que incentivam o abastecimento sustentável das escolas, implementadas nas duas regiões metropolitanas, contribuem para a mudança do modelo agroindustrial para sistemas agroecológicos alternativos.
Ao analisar as duas leis, a engenheira agrônoma e autora da pesquisa, Morgane Isabelle Hélène Retière, avaliou que lei brasileira é mais avançada que a francesa, por trazer orientações mais claras e objetivas sobre a aquisição de produtos locais e orgânicos.
A pesquisadora explica que pelo sistema agroindustrial renovado, apenas uma dimensão alternativa dos SAA é considerada. No caso da França, foi a aquisição de produtos orgânicos, porém, não local; e no Brasil, a compra da agricultura familiar, porém não local.
“Esta predominância de lógicas agroindustriais renovadas pode ser explicada pelas características das grandes cidades onde as áreas de produção estão localizadas a uma distância geográfica significativa, enquanto que o setor de alimentação escolar está afastado do mundo agrícola. No entanto, muitas estruturas situadas no coração da metrópole poderiam compensar a distância geográfica criando cargos de agentes públicos dedicados especificamente à implementação de sistemas territorializados”, avalia.
O Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC-2019) aponta que as atividades agropecuárias e industriais estão entre as principais causas de mudanças climáticas. De acordo com o relatório, se a dinâmica agroindustrial se mantiver no patamar nos próximos anos – promovendo desmatamento, usando indiscriminadamente fertilizantes e agrotóxicos e promovendo monoculturas -, é altamente provável que a insegurança alimentar no mundo se amplifique.
Morgane Retière explica que as políticas públicas (baixos impostos, subsídios, normas específicas) bem estruturadas são essenciais para o desenvolvimento dos “nichos verdes”.
“E é nesse contexto que os mercados institucionais como escolas, creches, hospitais, restaurantes populares, sacolão e lar de idosos se tornam alavanca para o desenvolvimento de sistemas agrícolas alternativos, porque apresentam vantagens para os agricultores familiares no que diz respeito à negociação de volumes maiores de produtos, na obtenção de melhores preços e menos tempo nos circuitos curtos entre o produtor e o consumidor”, diz.
Fonte: Jornal da USP