Por André Garcia
O Brasil será um dos países mais afetados pelas mudanças climáticas, tanto por sua localização tropical, quanto pelos prejuízos esperados para o agronegócio, seu principal motor econômico. Para evitar um colapso, é preciso frear as emissões de carbono, uma luta que, para o cientista Paulo Artaxo, só será efetiva se houver governança global.
Em entrevista ao Gigante 163, o professor do Departamento do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos pesquisadores climáticos mais respeitados do mundo defendeu uma reforma na Organização das Nações Unidas (ONU), o que garantiria ações urgentes e influenciaria o cumprimento de metas de redução.
“Sem um sistema de governança global para lidar com a problemáticas das mudanças climáticas, perda de biodiversidade e desigualdades, vai ficar impossível a gente atingir os 17 Objetivos Sustentáveis da ONU e, na verdade, [impossível] de lidar com as enormes dificuldades que a nossa sociedade e a economia enfrentarão”, diz.
Para Artaxo, a ONU, atualmente o único órgão de gestão global a lidar com o tema, não é capaz de resolver os problemas. Isso porque ela sequer foi criada para lidar com essas questões. Assim, mesmo propostas de mecanismos como a Convenção Climática, por exemplo, são insuficientes diante da urgência climática.
“Nós precisamos de novas estruturas globais de governabilidade e o Brasil tem um papel importante não só junto à reforma da ONU, mas também na construção de novas instituições que possam lidar com a administração global dos recursos naturais do Planeta”, sustenta.
Vantagem estratégica
Nosso País também está no centro do debate sobre as soluções para este cenário: até 2030 a possibilidade de redução é de 51%, caso o desmatamento da Floresta Amazônica seja zerado, além disso o potencial de geração de energia solar e eólica a baixo custo aqui é maior do que em outros lugares.
O empenho do Governo Federal é crucial, porque garante que os setores ambiental e econômico possam reivindicar medidas efetivas em nível internacional. Mas este esforço tem que ser feito globalmente. Ou seja, não adianta um único país implantar uma visão de longo prazo para reduzir as emissões e outros não.
“Essa ação é fundamental para podermos pressionar por medidas que efetivamente eliminem a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, construindo uma sociedade sustentável. Isso é factível, mas teremos que investir em ciência e pesquisa para que se torne economicamente viável no prazo mais curto possível.”
É aí que está o protagonismo do agronegócio, seja por sua relação com o desmatamento, um dos principais causadores de emissões, seja por sua fragilidade e dependência em relação ao clima.
“As emissões da agropecuária [no mundo] hoje correspondem a cerca 30% do total global, então é fundamental aprendermos a ter maior produtividade, com menor emissões de gás de efeito estufa. Isso é particularmente importante na pecuária, onde as emissões de metano são extremamente significativas”, pontua.
Corrida contra o tempo
O aquecimento previsto da temperatura média global é de 2,4°C a 2,6°C quando comparado aos níveis anteriores à Revolução Industrial. O número está acima do limite de 2ºC estabelecido no Acordo de Paris como o limite para evitar as tragédias decorrentes das mudanças climáticas.
“Atualmente nós estamos indo na direção errada. Tivemos seis anos de aumento do desmatamento da Amazônia e estamos muito atrasados em eliminar os combustíveis fósseis da nossa matriz energética”, reforça o professor.
De acordo com ele, a janela de oportunidades para impedirmos uma catástrofe se encerra nesta década.
“Temos um sistema socioeconômico que basicamente é voltado para que se tenha a maior quantidade de lucro no prazo temporal mais curto possível. Então as empresas fazem planejamento para três, quatro, no máximo cinco anos e o mesmo tem que ocorrer com nossos governos municipais, estaduais e o Governo Federal”, concluiu.
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