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Calor recorde do planeta soa alerta vermelho para o agro, diz relatório

Calor recorde do planeta soa alerta vermelho para o agro, diz relatórioClima quente ajuda a entender os desafios da safra. Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

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Por André Garcia

Um novo relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) ajuda a entender por que a safra de 2023/2024 foi tão desafiadora: o planeta bateu recordes de calor. A temperatura média global próxima à superfície atingiu 1,45°C acima da linha de base pré-industrial, fazendo do ano passado o mais quente já registrado. Divulgado nesta terça-feira, 19/3, o número beira o limite mais conservador do Acordo de Paris e acende mais um alerta para o agronegócio, setor mais impactado pelo clima.

Para quem produz e depende do clima, o sinal de alerta foi dado: se o limite considerado seguro pelo acordo climático global foi desafiador, permitir que o planeta continue se aquecendo pode ser fatal para o agronegócio. Sempre é bom lembrar que, em todo o mundo, dois terços dos gases que provocam o efeito estufa vêm da queima de petróleo, carvão e gás.

“Nunca estivemos tão perto – embora temporariamente no momento – do limite inferior de 1,5°C do Acordo de Paris sobre mudança climática”, disse a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo. “A comunidade da OMM está emitindo o Alerta Vermelho para o mundo”, completa ela.

A marca também supera a alta média de 2016 (1,29 °C) e de 2020 (1,27 °C), os anos mais quentes registrados desde 1850, quando começaram as medições. Este cenário derrubou a produtividade no Brasil. A safra de soja de 2023/24, por exemplo, deve quebrar em 21% em Mato Grosso, maior produtor nacional.

Não à toa, a Aprosoja Brasil classificou o último ciclo como uma “safra para esquecer”. Ao descrever a situação, a entidade explicou que, na ânsia de plantar, colher e pagar parte das contas para diminuir o prejuízo, produtores fizeram até três replantios, o que significa gastos extras com sementes, defensivos, combustíveis e mão de obra.

De acordo com o relatório da OMM, todos os meses de junho a dezembro do ano passado tiveram recordes de calor. Mas setembro foi particularmente notável, superando o recorde global anterior para o mês com uma margem de 0,46 a 0,54 °C.

O impacto disso sobre as lavouras não falhou. Em janeiro, o governo de Tocantins, onde se espera perda de 20%, decretou emergência em decorrência da estiagem. Em fevereiro foi a vez do governo de Goiás fazer o mesmo em 25 municípios. Neste caso, a expectativa para redução no potencial produtivo é de 15%.

Influência do El Niño

A OMM também mostra que a média decenal de 2014-2023 foi de 1,20°C, valor superior ao de 1850-1900. De acordo com o relatório, este aumento de longo prazo na temperatura global se deve ao crescimento das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.

Vale destacar que a mudança de La Niña para El Niño, no meio de 2023, também contribuiu com os resultados. Mas, algumas áreas de aquecimento incomum, como o Nordeste do Atlântico, não correspondem aos padrões típicos associados ao fenômeno. Isso significa que mesmo sem sua influência, o planeta está esquentando.

Consequências

A alta nas temperaturas é acompanhada por uma série de consequências preocupantes, incluindo a frequência de eventos climáticos extremos. Este contexto desafia a segurança alimentar e a estabilidade econômica, já que, mesmo não sendo a causa raiz destes problemas, fenômenos como seca e enchentes são fatores agravantes.

Para se ter ideia, conforme a OMM, a população exposta à insegurança alimentar mais que dobrou, passando de 149 milhões de pessoas antes da pandemia de COVID-19, para 333 milhões de pessoas em 2023, considerando os 78 países acompanhados pelo Programa Mundial de Alimentos.

Impacto sobre os oceanos

As temperaturas da superfície do mar (TSMs) estiveram em níveis recordes a partir de abril, com destaque para julho, agosto e setembro. Em um dia médio de 2023, quase um terço do oceano da Terra foi afetado por ondas de calor marinho. No final do ano, mais de 90% do oceano havia experimentado ondas de calor em algum momento.

“A mudança climática é muito mais do que temperaturas. O que testemunhamos em 2023, especialmente com o calor oceânico sem precedentes, o recuo de geleiras e a perda de gelo marinho na Antártica, é motivo de particular preocupação”, afirmou a secretária-geral.

Além de prejudicar ecossistemas e sistemas alimentares, a situação causou a maior perda nas geleiras desde 1950, quando começou o monitoramento. Para se ter ideia, a extensão máxima do gelo marinho da Antártica no final do inverno foi 1 milhão de km2 menor que em 2022, o que equivale à soma dos territórios da Alemanha e da França.

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