Por: André Garcia
Empresas com responsabilidade direta pelo desmatamento florestal terão que compensar cada hectare desmatado com 1 hectare recuperado. É o que estabeleceu, após 11 anos de negociações, o Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês), que aprovou na quinta-feira, 13/10, a certificação de produtos de florestas “novas”. A novidade certamente trará impacto ao setor de florestas brasileiro.
A decisão foi tomada em assembleia global realizada em Bali, na Indonésia, e inclui condições mais estritas para a certificação. Uma delas prevê, por exemplo, que no caso de responsabilidade indireta pelo desmatamento, ou seja, quando a empresa compra uma propriedade já degradada, a restauração da área deve ser de 30%.
De acordo com o jornal Valor, o Brasil tem cerca de 10 milhões de hectares de florestas plantadas, dos quais quase cinco milhões são certificados pelo FSC. Com o selo, indústrias brasileiras de papel e celulose, painéis de madeira, placas e pisos, entre outras, ganharam muito mercado no exterior.
Diante disso, houve forte resistência do segmento no país à alteração, já que será gerada maior concorrência. Isso porque a expectativa é que grandes empresas da Ásia, que estavam fora do mercado pela falta de certificação, comecem a disputar novas fatias, cumprindo todos os critérios. Investidores, especialmente americanos e europeus, também fomentam plantações na África.
Impacto socioambiental
À reportagem da Valor, o CEO da Proactiva Results, empresa de consultoria na área de ESG e direitos humanos que participou da assembleia na Indonésia, Rafael Benke, explicou que a alteração na regra do FSC “é um marco não somente para o segmento de florestas, mas para o desenvolvimento sustentável”.
“São centenas de milhões de hectares que poderão integrar o sistema FSC, mediante compensação socioambiental”, disse. “Será um estímulo comercial para a integração dessas áreas que, por consequência, vai gerar um impacto socioambiental positivo com as compensações’’.
Lineu Siqueira Junior, um dos fundadores do FSC e membro de seu Comitê de Políticas e Padrões, enfatizou ainda que a medida não significa um incentivo ao desmatamento, mas uma normatização de questões de conversão (áreas desmatadas convertidas em plantações florestais), com princípios e regras rígidas.
Manejo de Floresta Intacta
Por outro lado, a assembleia tomou uma decisão que torna viável o manejo de áreas chamadas de “florestas intactas”. Para o Brasil, o impacto imediato é evitar, nos próximos dois anos, a perda do “selo verde” em produtos originários de 2,7 milhões de hectares na Amazônia.
A certificação atesta que o manejo é ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Para grupo suíço Precious Woods, que opera no Brasil, a decisão foi um alívio. Sem a medida, a filial Mil Madeiras, localizada em Itacoatiara (AM), perderia a certificação FSC para 493 mil hectares em dois anos, ou 18,2% do total na Amazônia, pelas suas estimativas
FSC
De acordo com o Valor, o FSC foi criado em 1994, agregando várias iniciativas de “selo verde’’ que se espalharam pelo mundo e criando um sistema de certificação florestal internacional, não governamental, independente e baseado em critérios ambientais, sociais e de viabilidade econômica.
Até agora, uma das “regras de ouro” do sistema impedia certificação para florestas plantadas em áreas desmatadas após 1994. O que a assembleia em Bali fez agora foi alterar a trava e abrir caminho para a certificação de áreas que foram convertidas entre 1994 e o fim de 2020, desde que satisfeitos critérios severos de compensação.
Além disso, a companhia que quiser a certificação para seus produtos terá que remediar eventuais danos sociais, independentemente de responsabilidade direta ou indireta.
Cenário nacional
O Brasil está bem posicionado no que diz respeito a tecnologias e clientes, afirma Siqueira Junior, e poderá lucrar. Há muitas empresas no país que estão ampliando as operações e podem recorrer à nova regra.
A decisão tomada pelo FSC, após mais de uma década de discussões, se enquadra na “Década das Nações Unidas para a Restauração do Ecossistema (2021-2030)”, criada pela Assembleia Geral da ONU, seguindo uma proposta de 70 países preocupados com a perda da biodiversidade e o impacto da mudança climática sobre a natureza e os seres vivos.
Liderada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), essa iniciativa é considerada crucial: hoje, apenas 1% do financiamento do clima é dedicado à restauração de florestas, enquanto a restauração de 30% dos ecossistemas prioritários impediria 70% das extinções de espécies, segundo estudo publicado em 2020 na “Nature”.
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