Nota técnica elaborada pela Consultoria do Senado para embasar os parlamentares em relação ao PL que flexibiliza o uso e registro de agrotóxicos no País aponta para a “inconstitucionalidade” da versão do projeto aprovada pela Câmara, na semana passada. Elaborado a pedido da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), o documento ainda critica a substituição da expressão “agrotóxico” por “pesticida” proposta pelo texto e as consequências do projeto para a saúde das pessoas e do meio ambiente, além de fazer outros apontamentos.
O PL 6299/02, basicamente, revoga a lei dos agrotóxicos, de 1989, e altera o trâmite para o registro de agrotóxicos no país. As novas regras enfraquecem a atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e autorização dessas substâncias. Pelo texto do projeto aprovado pela Câmara, essa missão passa a ficar concentrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
O documento do Senado critica a “retirada de prerrogativas” da Anvisa – que avalia o impacto para a saúde humana – e do Ibama, que estuda os riscos ao meio ambiente. Outro alerta é em relação à centralização do poder de decisão no governo federal, reduzindo a possibilidade de os estados e o Distrito Federal estabelecerem restrições à distribuição, comercialização e uso de agrotóxicos.
“Tal medida, além de poder ser considerada inconstitucional por adentrar em competência legislativa de estados e municípios, vai na contramão da necessidade local, onde muitas vezes se adotam medidas mais restritivas que aquelas estabelecidas pela legislação federal, a fim de garantir a proteção tanto da saúde humana, como do meio ambiente”, considera o documento.
Para os consultores, a reavaliação dos produtos com substâncias vetadas anteriormente e uma possível autorização de uso a partir de uma escala de riscos provocados por elas, proposta pelo PL, pode levar à “banalização da expressão ‘risco’, o que, na prática, tem potencial para possibilitar a legalização do uso de agrotóxicos no Brasil com significativa periculosidade para a saúde humana”.
O documento alerta para o aumento do uso de agrotóxicos em ambientes urbanos, o que representa riscos à saúde humana e ao meio ambiente. “A Fiocruz posiciona-se no sentido da necessidade de o sistema regulatório avançar, investigando os potenciais danos a partir da exposição de um mesmo ingrediente ativo mediante diferentes fontes de exposição e seus possíveis efeitos agregados à saúde humana”, afirma o parecer do Senado.
Em relação à substituição de nomenclaturas, o texto afirma que “O termo correto é agrotóxico, por se tratar de agentes químicos objeto de estudo da toxicologia, sendo cada produto capaz, por meio de ação química, de matar, lesar ou enfraquecer organismos”. A nota cita o pesquisador Paulo Afonso Braz para dizer que a expressão pesticida é incorreta, embora de uso corrente, “pois não se cuida, a toda evidência, de matar peste, doença epidêmica grave e contagiosa”.
O parecer cita também o risco de se criar uma “indústria dos registros temporários”, uma vez que o projeto estabelece prazo de 30 dias para esse tipo de autorização concedida exclusivamente pelo Ministério da Agricultura.
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