Por André Garcia
Com exemplo de financiamento em Mato Grosso, a restauração florestal reafirmou sua viabilidade econômica durante a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 27). Anunciada como a COP da implementação – não só dos compromissos -, o painel “Restauração é um bom negócio: cases reais e impactos socioeconômicos” apontou, a essencialidade da estratégia para aumentar a eficiência no campo e reduzir as emissões dos gases do efeito estufa (Gee). O painel aconteceu neste sábado 11/12, no Brazil Climate Hub.
Foi a partir deste tópico que o grupo Locks, produtor de soja e algodão da região de Sapezal (508 km de Cuiabá), fez parte do debate em Sharm El Sheikh, no Egito. Ao apostar na transição da monocultura para a agricultura regenerativa, a fim de baratear os custos com insumos, o empreendimento conseguiu investimento de US$ 20 milhões junto ao Rabobank.
A Renature, organização holandesa que trabalha com agricultura regenerativa e agroflorestas no mundo, é a responsável pelo processo de transição no grupo. De acordo com seu fundador, Felipe Villela, mesmo contabilizando operações na casa dos R$ 100 milhões, o grupo Locks não estava conseguindo arcar com o valor dos fertilizantes.
A guerra na Ucrânia foi o gatilho para a disparada nos preços.
“Com os preços lá em cima, os produtores estavam buscando soluções mais biológicas para suas fazendas. Então a Rabobank criou essa nova operação para apoiarmos os agricultores nesta transição para a agricultura regenerativa e para irem além do modelo da monocultura”, disse.
Isso porque, o cultivo de um único produto agrícola não oferece resiliência climática nenhuma.
“Quando teve uma seca muito forte em Mato Grosso, os produtores foram muito afetados. Então trazer práticas de cobertura de solo, plantio direto, diversificação de culturas e promover a transição dos insumos sintéticos para os biológicos é fundamental.”
No Sul da Bahia em, Teixeira de Freitas há outro caso interessante. Segundo Felipe uma propriedade com 44 hectares de área convergida em sistemas agroflorestais com mais de 30 espécies parou de emitir 15 toneladas de carbono por hectare ao ano e hoje sequestra 45 toneladas por hectare ao ano.
Ao longo do painel, ficou claro que as transformações produtivas são inevitáveis e que mentalidade do agro tem que acompanhá-las.
“Eles estão vendo que a rentabilidade por hectare aumentou e que as soluções da natureza são o caminho não só para os pequenos, mas para os grandes produtores também”, afirmou Felipe.
Mais políticas de incentivo
A restauração florestal está no centro de um ecossistema que tem que estar inteiro sadio para que ela aconteça. É aí que os desafios se mostram. Um deles, na opinião da Gerente de Relações Externas e Conhecimento do programa Partnerships for Forests (P4F) na América Latina, Juliana Tinoco, é a demora na aprovação de créditos.
“É preciso trabalhar junto com os bancos para melhorar o acesso ao crédito e atender melhor as especificidades que eles [os produtores] precisam para implantação dos sistemas de restauração.”
Neste contexto, a política pública faz paralelo com a irrigação, fazendo com que os projetos se tornem mais produtivos. “Quando pensamos em duplicar número de produtores, precisamos também de mais técnicos em campo, o que demanda mais tempo de formação. São aspectos estruturantes que têm que ser considerados para ampliar isso”, afirmou Juliana.
Apesar de tudo, do ponto de vista prático, a implantação já acontece. “Temos a solução técnica, o que falta é vontade política. Qual a visão para ocupação dos espaços, solo, uso das florestas, da agricultura? A urgência está posta, o que é preciso agora é vontade de construir algo novo nas esferas de decisão”, avaliou.
Monocultura em colapso
Frente às estimativas que mostram que 33% de solo do planeta já foi degradado e que este número deve chegar a 90% até 2050, o representante da Iniciativa Verde e da Carbon Milk, Osvaldo Stella Martins, explicou que este novo ciclo, do qual a restauração florestal e suas diversas denominações fazem parte, surge justamente porque o modelo antigo de produção está colapsando.
“As fazendas vão ficando maiores porque o custo de capital é maior. É preciso mais pesticidas e mais fertilizantes nitrogenados. É uma logística absurda. É algo que foi criado em um contexto que não serve mais para nosso mundo. Como vamos colocar outra coisa no lugar?” questiona.
A restauração é uma das respostas. Mas, para isso, ela não pode se restringir às Áreas de Preservação Permanente (Apps) e reservas legais.
“No início, as discussões eram sobre como a agricultura impactava no desmatamento e na saúde do solo. O tempo passou e o foco é agora adaptação. Notamos os impactos da mudança do clima sobre a agricultura e agora ela surge como instrumento da mitigação da mudança climática”, concluiu.
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