“Histórico, mas insuficiente.” Foi assim que a advogada americana Jean Su, do Center for Biological Diversity, definiu o anúncio feito nesta quinta-feira, 4/11, na COP26 de que uma coalizão de 20 países, entre eles os EUA, se comprometeu a parar de financiar projetos de energia fóssil “sem compensação” no exterior a partir do ano que vem.
O anúncio foi um dos dois compromissos assumidos por grupos de países no Dia da Energia na COP26 para enfim começar a impor limites ao tempo de vida dos combustíveis fósseis. Depois que o G7 e o G20 falharam em produzir declarações robustas que dessem conta dos principais causadores da crise climática, a conferência de Glasgow apontou o caminho – ainda que timidamente.
O outro acordo, que envolveu 46 países, teve como alvo especificamente o carvão mineral, o mais sujo dos combustíveis fósseis. Eles concordaram em eliminar paulatinamente o carvão e cortar financiamento para novas usinas termelétricas que usam essa fonte. Os países ricos terão de se livrar do combustível até 2030; o mundo em desenvolvimento, até 2040.
“Acho que agora podemos dizer com segurança que o carvão não é mais rei”, comemorou o presidente da COP, Alok Sharma.
Mas é cedo para celebrar. Os principais consumidores de carvão no mundo, China, Índia e Estados Unidos, pularam fora do pacto contra o carvão. A Austrália, o maior exportador, idem. O principal país carvoeiro da Europa, a Polônia, até assinou, mas resolveu vestir o chapéu de “país em desenvolvimento” para poder manter seu carvão até 2040 – e ganhou das ONGs o merecido antiprêmio “Fóssil do Dia” por isso. O pacto de energia ficou sem a adesão dos três maiores investidores em combustíveis fósseis do planeta, o Japão, a China e a Coreia do Sul.
Embora tenham relevância simbólica por apontar a direção do fim dos fósseis, orientando o mercado, as duas declarações políticas sobre energia não fazem mais do que ratificar o que já está implícito no Acordo de Paris: afinal, se a humanidade estiver falando sério sobre limitar o aquecimento global a 1,5oC, o carvão mineral e o financiamento a energia fóssil não podem mesmo chegar vivos a 2040. Na verdade, a Agência Internacional de Energia já havia dito em maio que, para o mundo ter chance de ficar no caminho do 1,5oC, nenhum projeto fóssil novo poderia ser autorizado já em 2021.
Em entrevista coletiva da rede de ONGs Climate Action Network, Jean Su deu a dimensão da disparidade em investimentos: o pacto de energia desta quinta-feira, segundo ela, tem o poder de tirar US$ 18 bilhões dos fósseis e colocá-los nas energias renováveis. Somente o G20 investiu US$ 188 bilhões em fósseis entre 2018 e 2020.
Os anúncios da COP ocorreram na véspera de protestos organizados para esta sexta e sábado em Glasgow, na que vem sendo chamada de a COP mais excludente da história. A ativista Greta Thunberg, que está em Glasgow com outras líderes do movimento de jovens Fridays For Future, já ironizou os anúncios em série de compromissos futuros da COP, chamando a conferência de Glasgow de “COP do Greenwash”. “Tenho o prazer de anunciar que decidi me tornar líquida-zero em palavrões e malcriações”, tuitou. “Caso eu diga algo impróprio prometo compensar dizendo algo legal.”
Ambientalistas também têm demonstrado preocupação com o fato de que, nas negociações do Artigo 6, que regulamenta mercados de carbono, linguagem sobre “offsets” – ou seja, compensações de poluição de fósseis por, por exemplo, plantio de árvores no Terceiro Mundo – tenha ressurgido.
Em relação à falta de ambição dos países em suas metas para cortar emissões de gases de efeito estufa, nações mais vulneráveis à crise climática, representadas pelo Climate Vulnerable Forum (CVF), apelaram à COP26 por um “Pacto de Emergência Climática”, que incluiria uma plataforma anual de aumento de ambições em cada COP até 2025. O tema ainda estava na mesa nesta sexta-feira, quando termina a primeira semana de COP, e poderá, se sobreviver, ser o trampolim para um “Pacote de Aceleração de Glasgow”. Quem não pegar Covid verá.
Felipe Werneck, para o Observatório do Clima