Por André Garcia
Pedra no sapato dos investidores, a criminalidade e a falta de regulação fundiária podem impedir o avanço em escala da restauração florestal na Amazônia brasileira. O setor, capaz de transformar os 141 milhões de hectares de áreas degradadas do Brasil em política de geração de renda, carece de políticas públicas e corporativas.
No sábado, 12/11, especialistas brasileiros que participam da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 27), em Sharm El-Sheikh, Egito, apontaram soluções para a consolidação do modelo de negócio.
Em painel do Brazil Climate Hub, a presidente e co-fundadora do Grupo Igarapé, Ilona Szabó de Carvalho, destacou que a análise da matriz de risco territorial é o primeiro passo. Ignorá-la pode custar a perda de bons negócios, especialmente se considerado o avanço dos critérios ESG, sigla em inglês para governança social ambiental.
“Se o custo para investimentos no Brasil já é alto para quem negocia dentro da lei, o custo Amazônia está mais alto ainda, porque está ligado a questões de criminalidade ambiental, que hoje está ligada à criminalidade organizada. Isso faz com que empresas deixem de investir no bioma por questões de reputação.”
Faz sentido, já que ninguém quer ter cadeias produtivas associadas à ilegalidade.
“Para a nova economia verde, que tem critérios ESG muito mais altos, a conta não vai fechar e vamos ser prejudicados ou por um ambiente que não estava mapeado ou porque não houve negociação com o poder público para que ele cumprisse sua parte.”
Neste caso, o papel do mapeamento de dados é basear políticas públicas e corporativas que deem ao empreendedor segurança jurídica e confiança de que o seu negócio vai vingar. Além disso, a informação facilita a interlocução com o governo a partir do entendimento das competências de cada órgão, facilitando a cobrança.
“Sejam eles startups de crédito de carbono, investidores da bioeconomia ou plantas de grandes empresas, todos vão ser prejudicados. O que estamos propondo é que se fale de negócios na Amazônia e de restauração de florestas no Brasil trazendo informações sobre cada localidade”, afirmou Iloana.
Alvo certo
Mais que calcular riscos, a informação também pode otimizar em até oito vezes os custos de produção da cadeia. De acordo com a diretora de Relações Institucionais da Re.green, Mariana Barbosa, algoritmos multicritério apontam para o alcance de 94% da produção da biodiversidade e redução de até 80% na emissão de carbono.
Para quem não está familiarizado, o conceito de algoritmos multicritério está relacionado à modelagem de problemas decisórios à luz de múltiplos pontos de vista. Tradução: é tudo que um empreendedor precisa para decidir se investe dinheiro ou não.
A boa notícia para o Brasil é que, como apontam os números citados por Mariana, as análises já existentes, feitas a partir de bases de dados públicas e de pesquisas já publicadas, demonstram a viabilidade da restauração.
“Quanto maior a eficiência econômica, maiores são os benefícios ambientais. Então, conseguir achar as áreas corretas, identificar onde trabalhar e onde direcionar os investimentos é crucial. É um trabalho que está em constante evolução, mas que já permite que a gente atue.”
Contudo, problemas antigos ainda são vistos por ela como uma barreira ao avanço do setor. É o caso da falta de mapeamento de áreas públicas, não devolutas e não destinadas.
“Quando o investidor vai escolher uma área para restaurar, ele considera o nível de risco aceito pelo mercado. Faria muita diferença identificar essas áreas.”
Pensando sob a lógica do mercado, essa avaliação, baseada no número de matrícula das propriedades, com dados listados, mapeados e disponíveis publicamente, auxiliaria a discussão de propostas com o governo e a estruturação de projetos de restauração por parte da iniciativa privada, que poderia assim mensurar o risco do imóvel.
Tornaria ainda mais eficiente a identificação de áreas que necessitam de mais apoio ou que mais sofreram impactos sociais, por exemplo. “A gente pode levar a restauração como forma de trabalhar os viveiros locais ou até criar a tecnologias de viveiros locais em algumas regiões, o que é fundamental no modelo de larga escala.”
Fantasmas
Durante o encontro, o diretor de Florestas e Políticas Públicas da BVRio, Beto Mesquita, disse que, para que haja aumento efetivo na escala da restauração florestal no país, o Brasil precisa encarar quatro grandes problemas. O primeiro deles diz respeito à adequação e regularização ambiental.
Para ele, hoje não há nenhuma ação efetiva do Governo Federal e dos governos estaduais sobre a questão.
“A função do poder público, mais do que criar políticas públicas, é implementá-las efetivamente, usando seu poder de controle, mas também usando o seu poder de atração de investimentos associado a sua capacidade de propor e implementar políticas”, afirmou
Associada a isso, a regularização fundiária é outro fantasma para qualquer iniciativa da chamada economia verde.
“Se eu vou pegar investimentos climáticos com contratos de 20 a 30 anos de imóveis que eu não tenho nenhuma segurança jurídica, eu não consigo alavancar esses recursos.”
O terceiro gargalo está na produção de sementes e mudas e na qualidade da prestação do serviço de restauração solicitado, o que pode ser obtido com qualificação e treinamento na parte técnica e de gerenciamento.
Por último, na avaliação de Miranda, é importante fazer um balanço entre as diferentes tecnologias de restauração e os resultados que elas trarão em termos de serviços ambientais, incluindo créditos de carbono, produtos florestais madeireiros e não madeireiros e, claro, geração de trabalho e renda.
Ponto de não retorno
Todas essas soluções convergem para o alerta de um dos mais influentes nomes da área, o professor Carlos Nobre. Durante o encontro, ele lembrou que todo o sul da Amazônia, uma extensão de mais de dois milhões de km², entre o Atlântico até a Bolívia, está próximo do ponto de não retorno.
Traduzida do inglês “tipping point”, a expressão significa que um determinado limite, quando alcançado, não mais permite o retorno ao estado anterior.
A preocupação aumenta diante do cenário já registrado em alguns pontos do bioma.
“A estação seca se tornou até cinco semanas mais longa do que há 40 anos, registrando de 2 a 3 graus a mais no termômetro e com umidade de 20 a 30% mais baixa.”
Para se ter uma ideia da gravidade do termo aplicado ao contexto amazônico, isso significa que, ultrapassado um limite de degradação, a floresta além de não se recuperar, passará a se auto-degradar. “Neste ponto, a floresta começa a perder mais carbono do que remover, não por conta do desmatamento, mas por si mesma.”
De acordo com Nobre, da Bolívia até o Amapá, passando pela Guiana Francesa, houve aumento da mortalidade de espécies do clima úmido. “Essas espécies, que existem no Cerrado, na grande Savana e na Amazônia não são adaptadas à estação seca.”
Assim, sem uma mudança drástica no cenário, o aumento de 1,5 º C na temperatura do planeta, previsto para os próximos 30 a 50 anos, saltará para, no mínimo, 2,4°.
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