Por André Garcia
Mais do que se preparar para impactos futuros e aguardar por investimentos em economia verde, os países em desenvolvimento precisam de ajuda financeira hoje para lidar com as perdas que já estão enfrentando. Além disso, quem mais protege rios e florestas, como quilombolas e população indígena, deveria ser compensado por esses serviços ambientais. O assunto foi abordado por lideranças de comunidades extrativistas, indígenas e quilombolas do Brasil na Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27), no Egito.
Em Sharm El Sheikh, no Egito, o presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Crisanto Rudzö, da etnia Xavante, afirmou que os povos indígenas brasileiros têm buscado mecanismos e se preparado para que os tratados de mitigação dos efeitos do aquecimento global também os contemplem, uma vez que são eles os principais “guardiões da floresta em pé.”
“Mesmo vivendo há milênios em paz e harmonia com a natureza, nosso intuito é ajudar. Queremos, por meio desses recursos, desse pedaço de papel que compra e transforma, mostrar que é possível fazer o desenvolvimento ambiental correto e adequado, não esse desenvolvimento destrutivo em troca da vida dos seres vivos”, disse.
Crisanto participou do painel Perdas e Danos, Gênero e Impactos Territoriais, na sexta-feira, 11/11. Esta foi a primeira vez que o financiamento para danos causados pelas mudanças climáticas integrou a agenda oficial da COP. O tema vai subsidiar negociações relacionadas aos mecanismos de compensação.
Na ocasião, a coordenadora executiva da Coordenação Nacional e Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Célia Pinto, pontuou que os financiadores precisam considerar que, além de os países em desenvolvimento serem os mais afetados pelas mudanças climáticas, suas comunidades tradicionais ainda são as principais barreiras de contingência no enfrentamento ao desmatamento.
“Essas barreiras são feitas com nossos corpos. Somos nós que vamos fazer as trincheiras, porque quem deveria proteger, não protege. Não se pode discutir extremos climáticos sem se falar sobre racismo estrutural, perpassado pela questão ambiental, pela não titulação de territórios e pela falta de infraestrutura nas comunidades”, afirmou.
Efeito borboleta
A questão se desdobra em inúmeros problemas sociais que podem começar a ser resolvidos a partir da captação de recursos. Um exemplo citado por Célia é a negligência com os povos das florestas e das comunidades rurais quilombolas, que ecoa na cidade, já que sua migração, quase compulsória, é motivada ora pelos efeitos climáticos, ora como consequência do descaso.
“Nós somos impactados por essas questões, inclusive com a perda de territórios. Ou somos expulsos por grandes enchentes, ou somos expulsos pela seca, ou somos expulsos pela ausência de infraestrutura, que não garante a permanência. Nosso povo está saindo de nossos territórios porque não está protegido. Aí eles vêm para áreas urbanas e vivem em condições desumanas. Somos nós que estamos nas encostas e palafitas.”
Efeito no termômetro
Um levantamento realizado pela vice-presidente do Conselho Nacional dos Extrativistas, Edel Moraes, apontou que a principal mudança observada ao longo dos tempos entre mulheres extrativistas e lavradoras é o aumento da temperatura em suas comunidades. O estudo, apresentado no painel, mostra que as consequências perpassam desde a organização familiar, até a produção, extrativismo, plantio e pesca.
Ou seja, a diferença no termômetro repercute em fatores relacionados ao bem-estar social, econômico e cultural, prejudicando especialmente crianças e idosos.
“Isso causa uma enorme preocupação porque são atores fundamentais para a construção da identidade local. Esse fator está ligado também à seca dos rios, às mudanças das marés e ao desequilíbrio produtivo. Muitas frutas estão caindo do pé antes de amadurecer, por exemplo.”
Ao longo do encontro os participantes foram unânimes ao reconhecerem o lastro que a tragédia ambiental deixa por outros setores. “Para nós, não é só uma questão econômica, as maiores perdas e danos na crise climática são as vidas. Quando falo de vida, não falo só do corpo físico, mas da vida em toda sua plenitude, matéria, espírito e ancestralidade”, afirmou Célia.
A chave para estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa (gee), cerne do encontro global, pode estar em uma mudança no relacionamento entre o homem e a floresta. “Fazemos isso porque valorizamos onde vivemos. Não porque a floresta é útil para a gente, mas porque ela é parte de nós. Estamos aqui para falar pelos seres que não falam”, concluiu Crisanto.
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