Por André Garcia
Enquanto apenas 5% dos brasileiros afirmam não serem afetados pelas mudanças do clima, outros 68% dizem ter sofrido com a alta do preço dos alimentos causada pelo aquecimento global. Os dados são de uma pesquisa realizada com 30 mil pessoas em 17 países e evidenciam o protagonismo do agronegócio no cenário de alteração climática e segurança alimentar, seja como herói, vilão ou como vítima.
“O agronegócio pode ser um grande ator na implementação de medidas que diminuam o impacto ambiental, não só evitando o desmatamento, mas também aplicando o que há de melhor em tecnologia para reduzir o impacto da produção de alimentos. Estou falando do melhoramento genético, do plantio direto, da fixação biológica de nitrogênio, por exemplo.”
A fala é da especialista em conservação da WWF Brasil, Helga Correa, que, em entrevista ao Gigante 163 destacou que, para além da tecnologia, o setor também precisa reconsiderar as áreas onde a atividade é desenvolvida.
“Respeitando a importância de algumas áreas é possível garantir os serviços que os ecossistemas fazem, permitindo não só que a gente tenha água localmente, mas também que esses sistemas, com uma integridade mínima, contribuam para o controle das mudanças climáticas”, afirma.
O estudo, realizado pela GlobeScan em parceria com a Circle of Blue e o WWF Internacional, mostra ainda que a preocupação global com as mudanças climáticas subiu de 45% em 2014 para 65% em 2022. Segundo o levantamento, a crise climática está diretamente relacionada à crise hídrica: no total, de cada dez pessoas que se declararam afetadas pelo aquecimento global, quatro disseram ter experimentado a seca.
O papel de vilão
É aí que o setor assume o papel de vilão, já que a questão da água está diretamente ligada a derrubada das florestas, e esta, por sua vez, está relacionada à atividade. Para a especialista, a agropecuária vem se beneficiando tanto por meio do produtor que desmata, quanto por meio daquele que compra ou produz em terras desmatadas.
Só em Mato Grosso a abertura de pastagens corresponde a 20.2 milhões de hectares, enquanto a agricultura ocupa outros 11.5 milhões de hectares, segundo o MapBiomas. Além disso, a monocultura por si só já apresenta desafios ao equilíbrio natural dos biomas.
“O agro está direta ou indiretamente ligado ao desmatamento. Uma coisa está associada a outra, já que esse desmatamento ocasiona a substituição da vegetação nativa por outras vegetações que são menos capazes de reter a água no sistema”, afirma a especialista.
De acordo com Helga, o desmatamento já coloca em risco o regime de chuvas que abastece lençóis freáticos no centro sul do país. Para exemplificar, ela informa que, entre 1960 e 2019, no Cerrado, houve aumento de até 4° nas temperaturas máximas e 2,8° nas mínimas.
“Em todo o Brasil, vemos a superfície de água dos rios diminuindo. Ou seja, já temos evidências suficientes de que o país está a caminho da insegurança hídrica. No caso do Cerrado e do Pantanal, que está secando a olhos vistos, é urgente que a ocupação do bioma respeite um ordenamento ambiental que preserve nascentes”, afirma.
No caso do Cerrado, onde nascem oito das doze principais bacias hidrográficas do país, metade das áreas naturais já foram convertidas em lavoura ou pasto.
O papel de vítima
Neste aspecto, o agro é o setor econômico mais vulnerável às mudanças climáticas, já que sua produção depende dos ciclos de chuva e da qualidade do solo. Estudos já indicam a perda de 26% da produção de soja e de até 32% na produtividade de pastagens até o meio do século.
“Isso acontece pelo aumento de temperatura e pela falta ou excesso de água. Esses extremos são uma característica das mudanças climáticas. A mudança sistemática do regime de chuvas já impede ou compromete a segunda safra, por exemplo”, explica Helga.
Portanto, as ações para reverter o quadro são urgentes tanto para garantir a segurança hídrica necessária para o agronegócio, as indústrias, o abastecimento de residências e para a segurança energética do país.
Isso porque, o ciclo de chuvas cada vez menos confiável resulta no aumento no custo da energia e na redução da capacidade de produção e geração de valor. Resultado: atrasos no desenvolvimento de culturas perenes das principais commodities exportadas e pastagens deterioradas, atrapalhando o desenvolvimento dos rebanhos.
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