Em abril deste ano, o Cerrado perdeu 782 km² de vegetação. Considerando o acumulado desde janeiro de 2023, o número vai a 2.206 km². A área equivale a Palmas, no Tocantins, de acordo com dados divulgados nesta sexta-feira, 12/5, pelo Deter, o sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usado para a fiscalização em tempo real.
O desmatamento no bioma pode alterar o regime de chuvas e abastecimento de corpos hídricos brasileiros, que teria consequências drásticas para o agronegócio. As reservas legais no Cerrado variam entre 20% e 32%, quase inversas às da Amazônia, com 80% protegidos por lei nas propriedades rurais, de acordo com a Folha de S. Paulo.
O jornal conversou com especialistas que afirmam que, além de contar com menos áreas conservadas do que a Amazônia, o bioma sofre com terras públicas sem destinação e pode ser afetado por regulações da União Europeia que se concentram na floresta tropical.
O principal alerta do Deter é o de urgência na região, que deve ser analisada em conjunto com o bioma vizinho.
“Há uma ênfase histórica, e justificada, na Amazônia, mas há uma ligação bastante grande entre o que acontece na floresta e no cerrado”, disse Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Moutinho afirmou, ainda, que o Cerrado só tem 7% de sua área protegida legalmente. Na Amazônia, o conjunto de unidades de conservação, reservas extrativistas e terras indígenas chega a 50%.
“Ainda, não há destinação para 2,5 milhões de hectares de terras públicas, que vêm sendo griladas numa velocidade bastante grande”, destacou.
A boa notícia dos dados divulgados nesta sexta pelo Inpe é que o desmatamento na Amazônia caiu 68% em abril na comparação com o mesmo mês de 2022. Ao todo, foram 328,71 quilômetros quadrados destruídos no período contra 1.026km² no ano passado. O número ainda ficou abaixo da média histórica, iniciada em 2016, que é de 455,75 km² para os meses de abril.
Mas Amazonas, Pará e Mato Grosso, nesta ordem, seguem sendo os que mais destroem o bioma.
O desmate no Cerrado
Yuri Salmona, diretor-executivo do Instituto Cerrados, lembrou que a própria legislação internacional, como a aprovada pelo parlamento europeu, leva a uma migração do desmatamento na região. O fato é que há restrições para a compra de produtos originados em áreas desmatadas ou que não sigam regras de controle da cadeia produtiva. O Cerrado, porém, ficou de fora da legislação da União Europeia. Mas isso não acontece só no Brasil.
Para ele, o ideal seria que o desmatamento não passasse de um teto, e que se pudesse equilibrar a produção agropecuária com a preservação ambiental.
“Temos mais de 30 milhões de hectares de pastagens subutilizadas, às vezes com uma cabeça de gado por hectare. Para que desmatar se continuamos com manejo ruim e baixa tecnologia?”, revelou.
Outro alerta é a redução da vazão de rios do bioma. Estudo do Instituto Cerrados, em parceria com o Instituto Sociedade, População e Natureza, aponta que 88% de 81 bacias hidrográficas já tiveram redução de vazão causada pelo desmatamento entre 1985 e 2022.
Pela projeção, o Cerrado perderia 34% da vazão nas suas bacias nos próximos 28 anos. Em 2050, essa redução deve chegar a 23,6 mil metros cúbicos de água por segundo, o equivalente a oito vezes o volume de água que corre pelo rio Nilo.
“Esse modelo de ocupação do Cerrado para commodities agropecuárias, exportação e latifúndio depende da exploração excessiva de recursos, é como se fosse um tiro no pé. A própria agricultura acaba com a agricultura”, concluiu Salmona.
A água do Cerrado, junto com a evapotranspiração da floresta amazônica ajuda a formar os rios voadores, corredores de umidade que levarão chuva a outros locais do país.
“Do ponto de vista hidrológico e de outros, é preciso falar no binômio Cerrado-Amazônia. São como pernas de um corpo”, resumiu.