Em meio às queimadas e à progressiva destruição da natureza, em pleno Arco do Desmatamento, vive um dos primatas mais ameaçados do mundo. O zogue-zogue de Mato Grosso (Plecturocebus grovesi), como o nome diz, é natural do Estado, com presença limitada ao norte pelo encontro dos rios Juruena e Teles Pires, e, ao sul, pela região de transição entre Amazônia e Cerrado.
De acordo com o site ((o)) eco, a espécie, que foi reconhecida pela ciência apenas em 2018, já nasceu em berço ameaçado. No município de Alta Floresta, onde foi descoberta, por exemplo, a taxa de desmatamento multiplicou-se mais de 10 vezes entre 2012 e 2022 (saltou de 1,55 km² para 16,33 km²), de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Cerca de 120 km² de floresta foram destruídos no período apenas dentro do município.
Em contrapartida, de acordo com levantamento do MapBiomas, o território ocupado pela agropecuária em Alta Floresta mais que triplicou. Saltou 116.872 hectares em 1985 para 440.113 em 2021, o equivalente a quase metade do município. O fenômeno de expansão das plantações e pastagens e encolhimento da cobertura florestal se repete nos outros municípios do “nortão” mato-grossense.
De acordo com reportagem do ((o)) eco, o desmatamento hoje é a principal ameaça que paira sobre o zogue-zogue de Mato Grosso. Associado à derrubada da floresta, vem um segundo problema, o fogo. A Amazônia do norte do Estado, onde vive o macaco, é uma ecorregião conhecida como “florestas secas de Mato Grosso”, naturalmente mais suscetível a incêndios. Com o desmatamento, esse fenômeno ainda piora.
Puxadas pelo avanço da agropecuária, estão também a expansão da malha viária urbana e a construção de hidrelétricas, que também disputam espaço e impactam o habitat do zogue-zogue.
Área de ocorrência
Atualmente, a presença do zogue-zogue de Mato Grosso está confirmada em apenas seis municípios: Paranaíta, Alta Floresta, Juara, Nova Bandeirante, Apiacás e Sinop. Dos registros, só dois são confirmados dentro de áreas protegidas: no Parque Nacional de Juruena e na Estação Ecológica Rio Ronuro. Os pesquisadores suspeitam que a espécie ocorra dentro de terras indígenas na região, mas ainda não houve confirmação.
O primatólogo Gustavo Canale, professor associado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é um dos vinte autores do artigo que apresentou o zogue-zogue para o mundo científico. À ((o)) eco ele contou que, no momento, parte dos esforços é para confirmar a distribuição da espécie e qual o seu limite ao sul.
“Nós já confirmamos a espécie aqui no município de Sinop e tem algumas populações que a gente sabe que ocorrem ali mais ou menos na região de Lucas do Rio Verde. E aí vamos descer mais na transição, entrando verdadeiramente no Cerrado do Estado, para ver se o limite sul dessa espécie, como a gente imagina, é essa transição Amazônia e Cerrado. Então onde ocorre Cerrado propriamente dito, a espécie não ocorreria.”
As excursões para a região estão em curso neste mês de dezembro junto com o pesquisador Jean P. Boubli, da Universidade de Salford (Inglaterra) e primeiro autor da descoberta do zogue-zogue. A partir disso, será feito mapeamento da espécie até o Nova Mutum. A pesquisa é realizada pelo Instituto Ecótono, UFMT e a Universidade de Salford, com apoio da Re:wild através do Primate Action Fund/Margot Marsh.
Um lar cada vez menor
O zogue-zogue é um macaco arborícola que se locomove pela copa das árvores. É justamente essa relação intrínseca com a cobertura florestal que faz os primatólogos acenderem a luz de alerta sobre o futuro deste animal.
No artigo de descrição da espécie (2018), os autores mostram que o zogue-zogue já havia perdido 42% do seu habitat florestal até 2017. E preveem que, se o desmatamento na região prosseguir no ritmo atual, a perda pode chegar a 86% até 2042, tempo correspondente a três gerações do primata.
No texto, os pesquisadores alertam ainda sobre o processo contínuo de flexibilização e redução de áreas protegidas na Amazônia brasileira e o complexo hidrelétrico de barragens planejado para esta região.
“O fato desse desmatamento no norte de Mato Grosso ser um dos mais acelerados do planeta é o que coloca essa espécie em alerta. A gente está perdendo indivíduos muito rapidamente”, explica Gustavo Canale.
Um dos primatas mais ameaçados do mundo
O alerta dos pesquisadores ganhou repercussão internacional em agosto deste ano, com a inclusão do zogue-zogue de Mato Grosso entre os 25 primatas mais ameaçados do mundo. A lista é fruto da publicação Primates in Peril, produzida pela organização Re:wild. A última edição, para o biênio 2022-2023, foi lançada durante o Congresso Brasileiro de Primatologia, que ocorreu justamente no norte do Estado, em Sinop.
A vida sexual dos zogue-zogue
Não bastassem todas as ameaças que apertam o cerco sobre o zogue-zogue de Mato Grosso, a espécie tem como revés a sua própria biologia e lentidão reprodutiva. De comportamento monogâmico, os zogue-zogue normalmente dão à luz um único filhote por ano. E os grupos são compostos pelos pais e um ou dois filhotes, o da fase reprodutiva anterior e o daquele ano.
Ao atingir a maturidade sexual, o filhote dispersa para encontrar uma parceira e formar uma nova família e ocupar outro território. Se não há florestas, entretanto, não há para onde ir. Quando um casal está isolado num fragmento, seus filhotes vão acabar reproduzindo entre si, um processo chamado de endogamia, que é prejudicial para a saúde genética dessa população e facilita o aparecimento de doenças.