Por André Garcia
Conhecido como a “caixa d’água do Brasil”, por abrigar nascentes das principais bacias hidrográficas do País, o Cerrado enfrenta um dos momentos mais difíceis de sua história. Em um cenário de seca extrema, a região já teve 11 milhões de hectares atingidos pelas chamas neste ano, segundo monitoramento do Lasa/UFRJ (Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Nesta quarta-feira, 11/9, quando se comemora o Dia Nacional do Cerrado, outro número coloca a região em alerta: em agosto, 67% dos incêndios ocorreram em áreas de vegetação primária e 3% em locais recém-desmatados, conforme dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Com relação ao desmate, o Deter-B, do Inpe, mostra que entre agosto de 2023 e julho de 2024, a savana mais biodiversa do mundo perdeu 7.015 km2 – o equivalente a um quarto da área da Bélgica, ou 4,5 vezes a área do município de São Paulo. Esse número é cerca de 11% superior ao registrado no ano anterior e 37% superior à destruição média registrada na série histórica de 6 anos.
De acordo com o WWF Brasil, isso mostra uma mudança na dinâmica da destruição, uma vez que, até então, as queimadas eram vistas historicamente como a fase final do desmatamento, já que o fogo é utilizado para “limpar” as áreas devastadas. Logo, o processo respalda as suspeitas de que os incêndios florestais estão sendo usados como ferramenta de degradação para facilitar a limpeza do solo e o corte das árvores.
Por isso, garantir incentivo econômico aos produtores rurais comprometidos com a preservação do meio ambiente. Nesse sentido, o Governo de Goiás, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), lançou, na terça-feira (10/9), o edital do Cerrado em Pé — Programa Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA).
Avanço do fogo
A situação de duas importantes unidades de conservação na região mostra a gravidade do problema. Em Goiás, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros teve 10 mil hectares atingidos pelos incêndios e em Mato Grosso, líder em focos de calor, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) interditou pontos do Parque da Chapada dos Guimarães. Lá, o vento chegou a criar redemoinhos de fogo.
Em Mato Grosso do Sul, as chamas que na última semana alcançaram a Serra do Maracaju, na divisa com o Pantanal, levaram mais de três dias para serem controladas. Assim, o fogo segue avançando por fazendas, estradas e chega ao entorno das cidades, criando cenas de terror pelo bioma. Na região do município de Mineiros (GO), a fumaça de um incêndio à beira da rodovia BR-364 resultou em um acidente no sábado, 7/9.
Cerrado em Pé
Considerando que 45,4% do Cerrado foi convertida pela agropecuária, segundo o MapBiomas, a sobrevivência do bioma exige uma ação conjunta entre governos, produtores rurais, empresas e sociedade civil. Sob a fumaça que encobre a região, algumas iniciativas apontam para este caminho, como o projeto Cerrado em Pé, que pagará R$ 498 por hectare a quem preservar áreas maiores que a parcela obrigatória.
O Governo de Goiás, onde a proposta será executada, informou que os produtores que se comprometerem a recuperar pelo menos uma nascente degradada por ano receberão um valor ainda maior, de R$ 664 por hectare.
“Pela primeira vez, vejo algo acontecer no Brasil. Você ouve falar em compensação ambiental, lei federal que vai monetizar o produtor rural, mas nunca foi palpável”, celebrou o presidente do Sistema Faeg/Senar e vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Mário Schreiner
Para se inscrever no PSA, o proprietário rural precisa ter no mínimo dois hectares de área passível de supressão vegetal, ou seja, que eles poderiam suprimir para usar para o plantio ou criação de gado ou outra atividade econômica. O programa não contempla reservas legais ou áreas de preservação permanente (APPs), que já são protegidas por lei. As inscrições para participar da iniciativa vão de 1º de dezembro de 2024 a 15 de março de 2025.
Além do Código Florestal
A iniciativa reforça um entendimento crescente sobre as normas do Código Florestal, insuficientes para garantir a manutenção do Cerrado uma vez que permitem o desmatamento de até 80% do bioma em propriedades rurais. À reportagem, o membro do Observatório do Código Florestal, Mauro Armelin, já explicou que a lei é atendida pelos produtores rurais. A questão é que isso não tem garantido a segurança do bioma.
“Essas normas [do Código Florestal] já são adotadas pela maioria dos produtores. O desmatamento ilegal é uma questão de crime e isso já entra em outra esfera. O fato é que no momento precisamos do Código e de algo a mais. Então o produtor precisa ir além da legislação para manter sua área de produção”, avaliou.
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