Menos conhecido e mais ameaçado que a Amazônia, o Cerrado começa a despertar interesse no mercado internacional de créditos de carbono. De olho no potencial do bioma, representado, por exemplo, pelas 8,1 gigatoneladas (Gt) de CO2 existentes em seu solo, startups como a ERA (sigla para Ecosystem Regeneration Associates), já fazem suas apostas.
Pioneira na região, a empresa tem 18 mil hectares de projetos implantados, a maior parte deles em Niquelândia (GO), em terras da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Há ainda mais 50 mil hectares em fase avançada de negociação — uma área ainda pequena, quando comparada aos projetos da Amazônia, onde cada um pode ter milhões de hectares.
Em entrevista publicada recentemente pela Reset, a CEO e fundadora da ERA, Hannah Simmons, explicou que os desafios para desbravar esse mercado vêm tanto do lado da demanda, quanto da oferta.
“Estamos num processo de mostrar o que é o Cerrado. É o [Hemisfério] Norte que compra os créditos, e eles não fazem ideia do que se trata. Existem muitas empresas, multinacionais inclusive, que têm sua cadeia de fornecimento no Cerrado, mas essa conversa ainda anda muito devagar”, disse.
A questão é tornar a vegetação nativa em pé competitiva em relação à soja. Enquanto na floresta amazônica o maior problema é o desmatamento ilegal, no Cerrado a dinâmica é diferente.
“Estamos falando de uma metodologia de desmatamento planejada, em que o agente primário de desmatamento é o proprietário que está renunciando ao direito dele de desmatar e que, por isso, pode gerar um crédito de carbono”, afirmou.
Diferenciação
A diferenciação em relação ao bioma é importante porque, para valer a pena, o crédito de carbono no Cerrado demanda um preço mais salgado, de cerca de US$ 30 a US$ 40 por tonelada. Hoje, os créditos de REDD+ – quase uma exclusividade da Amazônia no Brasil atualmente– são negociados entre US$ 10 a US$ 15.
Outra diferença em relação à Amazônia é que o Cerrado tem menos densidade de carbono por hectare, o que implica uma área mais ampla de conservação para emitir uma boa quantidade de créditos.
Outro ponto relevante é a repartição de benefícios sociais. Na Amazônia, boa parte da renda dos projetos de carbono vai (ou ao menos deveria ir) para as comunidades tradicionais – que normalmente são os guardiões, senão os donos dos territórios.
No Cerrado, a maior parte do dinheiro remunera o proprietário. Na metodologia da ERA, no entanto, pelo menos 10% são destinados a cobenefícios de biodiversidade ou sociais.
“É o que chamamos de ‘efeito Robin Hood’: pegamos uma parte do dinheiro do latifundiário para construir escola, para monitorar a fauna, para fazer um projeto de agrofloresta com a comunidade em volta”, diz Simmons.
Pelo Código Florestal, apenas 20% da propriedade precisa ser conservada. Ou seja, o produtor pode escolher desmatar na área restante. Para manter a vegetação intacta, a conta precisa fechar. Neste contexto, um dos grandes desafios é encontrar proprietários que tenham áreas relevantes de excedente de reserva legal.
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