A relação direta entre desmatamento e mudanças climáticas é cientificamente comprovada, pública e notória. No entanto, existe uma parte do agronegócio brasileiro que, por falta de conscientização, insiste em ignorar essa equivalência. Essa fatia agora paga um preço alto pelos efeitos da crise climática que ajudou a agravar.
Os pedidos de recuperação judicial feitos por produtores rurais dispararam no Brasil em 2023, com alta de 300%. Um reflexo das dificuldades financeiras por conta da alta de custos e de perdas nas lavouras afetadas pelos eventos climáticos extremos, explica a Globo Rural. E a expectativa é que esse recurso continue em alta neste ano.
Somente entre janeiro e setembro do ano passado foram registrados 80 pedidos de recuperação judicial, segundo os dados mais recentes da Serasa Experian. A título de comparação, em todo o ano de 2022 houve 20 pedidos. Os produtores rurais são a única categoria de pessoa física que pode recorrer a essa alternativa, dado o alto nível de risco da atividade.
Advogados consultados pela Globo Rural explicam que o pedido de recuperação judicial costuma ser a última saída para o produtor rural endividado. E a ampliação do recurso a essa ferramenta pelos agricultores tende a encarecer os sistemas de crédito.
Em entrevista à Folha, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, negou que haja uma crise no agronegócio brasileiro. Entretanto, admitiu as dificuldades do setor por causa dos eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas.
“É claro que as mudanças climáticas estão aí, são inquestionáveis. Então, isso é preocupante, a gente tem que estar atento, minimizar isso”, frisou.
Um dos produtos agrícolas mais afetados é a soja. O Gigante 163 destaca a nova previsão – para baixo – para a safra 2023/2024 da oleaginosa feita pela consultoria Datagro, que cortou 4,3 milhões de toneladas da sua previsão para a colheita, de 152,882 milhões, passou para 148,553 milhões de toneladas.
Por conta da irregularidade do clima, que prolongou a estiagem, a Datagro estima uma área de 45,724 milhões de hectares. Já a produtividade média deverá ser de 3,26 toneladas por hectare, 8,9% a menos que na temporada 2022/23, quando foram registradas 3,58 toneladas por hectare.
Na semana passada, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) entregou ao governo federal uma série de propostas para ajudar o setor a suportar os impactos de eventos climáticos extremos na produção rural. Entretanto, o Observatório do Clima lembra que o agro brasileiro investiu contra políticas ambientais e climáticas e financiou campanhas negacionistas. E lista dez ocasiões em que o setor atirou no próprio pé e agora vive os efeitos da crise climática que ajudou a causar.
São elas: reforma do Código Florestal; investida contra áreas protegidas e Terras Indígenas; campanhas negacionistas das mudanças climáticas; apoio ao ex-presidente inominável; ignorar o Acordo de Paris; grita contra a legislação da União Europeia antidesmatamento; oposição à moratória da soja; lei da grilagem; e lobbies anticlimáticos.
Fávaro diz que o agronegócio brasileiro tem “um amplo espaço para crescimento” e que “podemos dobrar a área utilizada com a agricultura e até melhorar as condições da pecuária brasileira sem avançar sobre a floresta”. Resta saber se a bancada ruralista do Congresso que atravanca avanços das pautas ambientais e indígenas vai se conformar com isso. A conferir.