Por André Garcia
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), 70% da água doce é utilizada na irrigação de campos agrícolas. Em um cenário de falta de chuva e de baixas constantes no volume das bacias hidrográficas que nascem no Cerrado, isso pode ser um problema que vai muito além da questão ambiental.
Ao longo desta semana, o Gigante 163 traçou um panorama hídrico da região, apontando caminhos para a sua manutenção, o que também significa a manutenção do clima, do ciclo dos rios e da segurança econômica do Brasil. Nesta sexta-feira, 22/3, quando se comemora o Dia Mundial da Água, mostramos como o uso mais consciente da água faz parte de uma dinâmica de produção bem-sucedida.
À reportagem, o engenheiro florestal, Mauro Armelin, explicou o que o produtor pode fazer para reduzir o risco da falta de água. No caso de áreas ainda conservadas, o Código Florestal estabelece a medida de 50 metros ao redor das nascentes. Isso assegura a filtragem de sedimentos carregados pela erosão, especialmente no caso sistemas produtivos como a agricultura e a pecuária.
Diretor executivo da organização Amigos da Terra e membro do Observatório do Código Florestal, ele explica que, no caso de áreas já deterioradas, a restauração natural ao redor das nascentes pode remediar a situação.
“Conhecer a propriedade e fazer o manejo da água é uma questão de gestão. Ou seja, gerir os recursos desse espaço faz parte do escopo de trabalho do produtor. Para se ter uma rentabilidade boa, é preciso conhecer cada canto da sua terra”, afirma Mauro.
A partir desse reconhecimento do espaço, é possível identificar as áreas onde a deterioração é mais profunda e onde há maior a deficiência de nutrientes. A regra então é conhecer a propriedade, identificar as áreas de nascentes e priorizar.
“Todo produtor que observa um pouco sua terra consegue identificar uma seca de nascente. Mas, por exemplo, se ele comprou essa propriedade de terceiros, já em estado de deterioração, o primeiro passo é buscar histórico, seja com proprietários antigos ou com moradores da região.”
Embora não haja garantia de que a nascente vá brotar novamente, o ressurgimento da vegetação nativa cria novas áreas úmidas na propriedade, fortalecendo também o fluxo dos lençóis freáticos, que está relacionado à profundida das raízes das árvores. Neste contexto, Mauro lembra ter testemunhado os resultados desse conhecimento empírico em uma fazenda no Distrito Federal.
“Vi isso acontecer em Brasília, onde uma área passou por um processo de revegetação. O produtor identificou a área desmatada, com mais ou menos umidade e depois de replantar árvores nativas, passou a ter alguns chumaços de verde pela propriedade, o que foi suficiente para fazer brotar uma cacimba, um pequeno poço usado para irrigar”, conta.
Viabilidade
Uma série de projetos no Cerrado demonstra a viabilidade e a urgência de ações do tipo. Em parceria com mulheres indígenas do povo xavante, a Bunge, por exemplo, tem auxiliado na restauração de uma área de 52 hectares da Terra Indígena Pimentel Barbosa, no município de Canarana (MT), por meio da coleta de sementes nativas.
Outro caso de sucesso é o da Virada Ambiental, que, com parceria e boa vontade garantiu o reflorestamento de mais de 1.600 hectares de Cerrado. Idealizada pela Escola de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade Federal de Goiás (UFG), a ação garantiu que mais de 1 milhão de mudas fossem semeadas nos últimos quatro anos.
“É uma medida financeiramente viável. É como plantar um jardim com espécies arbóreas”, avalia Armelin.
Novidade na legislação
Em agosto de 2023, o governo federal publicou a Lei 14.653, que prevê regras para intervenção e implantação de instalações necessárias à recuperação e proteção de nascentes. A medida altera duas legislações ambientais: o Código Florestal e a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.
A nova legislação inclui na lista de atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental ações com o objetivo de recompor a vegetação nativa no entorno de nascentes ou outras áreas degradadas. As intervenções terão que obedecer às normas dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).
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