Por André Garcia
Uma sequência de queimadas e outros crimes ambientais tem sobreposto a tentativa de privatização do Parque Estadual Cristalino, no Norte de Mato Grosso. Considerada a última fronteira do desmatamento no Estado, a área se divide entre dois parques vizinhos, o Cristalino I, com 66.900 mil hectares, e o Cristalino II, com 118 mil hectares. No segundo caso, a tentativa de privatização já atinge 74% do espaço.
Os dados foram divulgados pelo ((o))eco, em parceria com o Centro para Análise de Crimes Climáticos (CCCA – Center for Climate Crime Analysis) na última semana.
O veículo também apresentou levantamento realizado no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) e no Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR), que mostra que somente no Cristalino II, três quartos da unidade esteve ou ainda está declarada como sendo propriedade privada.
Vale destacar que o registro do CAR é obrigatório para todas as propriedades rurais do país e o primeiro passo para a regularização ambiental do imóvel.
Em ambas as plataformas, foram encontrados 50 Cadastros Ambientais Rurais registrados total ou parcialmente dentro da unidade. A área total declarada como sendo particular cobre 87.398,31 hectares, sem considerar sobreposições – isto é, cadastros registrados em um mesmo polígono não foram contabilizados duas vezes.
Destes 50 CARs, 82% (41 registros) estão classificados como “Ativos”, 4% (2 registros) estão classificados como “Pendentes de Análise” e apenas 14% (7 registros) já foram “Cancelados” ou “Suspensos”. Isto é, para ao menos 41 proprietários, o Mato Grosso e a União consideram as áreas registradas como válidas, mesmo elas sendo terras públicas, de posse atualmente do Estado.
Este ‘loteamento’ do parque trouxe como consequência a perda de grandes áreas de vegetação nativa. Segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), o Cristalino II já perdeu 16% de sua cobertura original, sendo que 85% do desmatamento foi registrado dentro de áreas de CAR.
((o))eco entrou em contato com a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso (SEMA-MT), responsável pelo gerenciamento da plataforma, em busca de esclarecimentos sobre os problemas na integração da plataforma e sobre o processo de análise dos CAR sobrepostos à unidade, mas até o fechamento da matéria não recebeu resposta. O espaço permanece aberto.
Crime validado
“O CAR vem sendo utilizado como um dos primeiros passos no processo de grilagem e pressão para redução de áreas protegidas. O objetivo de quem faz isso é dar um ar de oficial às ocupações e, com isso, buscar possíveis benefícios no processo de regularização fundiária quando as áreas protegidas forem reduzidas ou extintas”, explica o mestre em Uso Sustentável de Recursos Naturais e Analista de Dados do CCCA, Heron Martins.
A análise da legalidade é dificultada pelas falhas na unificação das bases de dados.
De acordo com ((o))eco, Mato Grosso criou seu próprio sistema de cadastro de CAR, o SIMCAR, citado acima. Na época, o governo estadual anunciou que faria a migração do SICAR para sua plataforma estadual e que as bases de dados seriam integradas. Passados cinco anos, no entanto, ainda há lacunas de dados sobre as propriedades rurais mato-grossenses.
Excetuando-se cadastros já cancelados, concluiu-se que 8% dos 43 cadastros “ativos” ou “pendentes” encontravam-se em apenas uma das bases: 4% (dois cadastros) apenas na base nacional e 4% (dois cadastros) apenas na base estadual. Além disso, no sistema nacional, nem todos os cadastros mostram os dados regionais completos.
Invasores de terras públicas
Dentre as áreas registradas como privadas dentro do Cristalino II, estão grandes porções de terras, que ultrapassam 10 mil hectares, áreas tão grandes quanto a capital do Espírito Santo, Vitória. Entre os proprietários ou seus parentes diretos, estão pessoas de grande poder político e econômico, além de madeireiros, empresários de diversos ramos, pessoas filiadas a partidos, funcionários públicos e doadores de campanha.
Entre os mais famosos está o ex-governador Silval Barbosa, que comandou o Estado pelo MDB entre 2010 e 2015. Em delação premiada no âmbito da Operação Sodoma – que em 2017 investigou e puniu envolvidos no desvio de dinheiro público realizado por meio de desapropriações de terra milionárias no Mato Grosso – Silval admitiu ser dono de uma pousada no Rio Cristalino e que chegou a reformar o imóvel com dinheiro de propina.
Outro célebre nome na lista de ocupantes de terras dentro do Cristalino é o da Família Junqueira Vilela, envolvida em uma ação judicial que pode resultar na extinção completa do parque.
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