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Irrigação desmedida ameaça secar rios brasileiros

Irrigação desmedida ameaça secar rios brasileiros

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Mais da metade dos rios do Brasil corre o risco de ter seu fluxo de água reduzido devido à forma como a água se movimenta entre rios e aquíferos subterrâneos. Isso significa uma grande ameaça para a agronegócio. Sem água não existe agricultura ou pecuária. O bombeamento para irrigação está entre os principais fatores.

O alerta faz parte de um estudo, feito por pesquisadores brasileiros e estrangeiros e publicado na revista Nature Communications, que analisou quase 18 mil poços em todo o País.

Para entender o problema, é preciso destacar alguns pontos: Rios são cursos de água que fluem na superfície da Terra, transportando água doce para oceanos, lagos e outros rios. Já o os aquíferos são formações geológicas subterrâneas que armazenam água doce, como se fossem grandes reservatórios naturais.

Quando o nível da água em um aquífero está mais baixo do que o nível da água em um rio próximo, a água do rio pode se infiltrar no solo e passar a abastecer o aquífero. Nesse caso, o rio perde parte de sua água para o subsolo, e pode até mesmo secar em períodos de estiagem.

O que o estudo revelou?

Depois de analisar milhares de poços em todo o Brasil, o estudo constatou que em mais da metade deles o nível da água estava abaixo do nível dos rios próximos. Essa diferença de nível indica que a água dos rios está se infiltrando no subsolo em grande quantidade, o que pode comprometer o fluxo de água dos rios e prejudicar o abastecimento de cidades, a agricultura e o meio ambiente.

De acordo com o estudo, um dos grandes problemas é a perfuração de poços sem controle para irrigação agrícola ou consumo privado. No Brasil, existem cerca de 2,5 milhões de poços, mas mais de 88% são ilegais, ou seja, não têm licença para bombear água. Esse uso excessivo de água subterrânea não só reduz a vazão dos rios, mas também pode causar o afundamento do solo, como já aconteceu em lugares como a Índia e a Califórnia.

Cerrado

No Cerrado, que abriga importantes aquíferos e rios estratégicos e é uma das principais áreas agrícolas do Brasil, a situação é especialmente preocupante. A expansão da agricultura sem planejamento e o aumento da irrigação têm pressionado o volume de água, tanto superficiais quanto subterrâneos.

“O equilíbrio entre rios e aquíferos na região pode ser comprometido pelas recentes mudanças no uso e cobertura do solo, impulsionadas pelo avanço da fronteira agrícola e, sobretudo, pela crescente demanda por irrigação”, disse Paulo Tarso Sanches de Oliveira, segundo do estudo e professor de hidrologia e recursos hídricos na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

Rio São Francisco em alerta

O Rio São Francisco também está em risco, segundo a pesquisa. Cerca de 61% dos rios analisados na bacia do São Francisco podem perder água para o subsolo, principalmente por causa do uso intensivo de água subterrânea para irrigação. Na bacia do Rio Verde Grande, afluente do São Francisco, o problema é ainda maior: 74% dos rios estão ameaçados.

“Essas duas bacias são cruciais para a agricultura e geração de energia hidrelétrica no Brasil. O que está acontecendo põe em risco não apenas a sustentabilidade local, mas também a segurança hídrica, alimentar e energética em grande escala”, comenta o pesquisador.

Ele explica que o Brasil pode enfrentar problemas graves, se não houver planejamento e controle adequados.

“O alerta é ainda mais relevante diante das projeções que indicam um aumento superior a 50% nas áreas irrigadas no País nos próximos 20 anos, o que pressionará ainda mais os recursos hídricos superficiais e subterrâneos”, ressalta o pesquisador.

Planejamento e controle são indispensáveis, alertam os estudiosos, pois, apesar de deter 15% da água doce renovável do mundo, o País já está enfrentando grandes problemas hídricos, que o acirramento da crise climática deverá agravar.

O Brasil tem potencial para ampliar a irrigação de forma sustentável, mas é necessário planejar melhor o uso integrado das águas subterrâneas e superficiais para evitar impactos negativos”, afirma José Gescilam Uchôa, primeiro autor do artigo.