Por André Garcia
A União Europeia (UE) endureceu as regras sobre a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento. Contudo, a definição florestal adotada por sua nova legislação abrange apenas a região amazônica, o que deixa 74% do Cerrado desprotegido, fazendo do bioma uma “zona de sacrifício” frente ao desenvolvimento agrícola.
É o que aponta carta publicada pela revista Nature Sustainability em 17/7, na qual cientistas pedem a priorização do bioma em discussões diplomáticas. O documento é assinado por especialistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Griffith, na Austrália, e da Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica.
“O Cerrado está excluído dos principais esforços de sustentabilidade do agronegócio – notavelmente, a Moratória da Soja, um bem-sucedido acordo de desmatamento zero de várias partes interessadas que se aplica apenas ao bioma amazônico. Além disso, novas propostas legais devem piorar essa situação”, diz trecho da carta.
Como já mostrado pelo Gigante 163, o desmatamento no Cerrado cresceu 21% enquanto na floresta amazônica caiu 33,6% na comparação entre janeiro e junho de 2023 e 2022. Além disso, em junho deste ano, o bioma concentrou 4.472 focos de queimadas, número equivalente a 65% a mais que a Amazônia.
“O bioma do Cerrado no Brasil é a savana mais biodiversa do mundo e desempenha um papel fundamental na estabilização do clima local e global, armazenando carbono e fornecendo água fresca para o país. No entanto, o Cerrado possui pouca proteção e está sendo convertido para agricultura em uma taxa alarmante”, afirmam os pesquisadores.
A lei europeia
Aprovada em maio, a nova legislação estabelece que os produtores que vendem para UE comprovem que não contribuíram para o desmatamento e a degradação florestal a partir de 2021. O problema, segundo os pesquisadores, está no trecho referente a “due diligence”, ou seja, a investigação prévia para garantir a ausência de irregularidades.
“Internacionalmente, a legislação de ‘due diligence’ deve ser estendida com urgência para abranger savanas e outros biomas não florestais”, pontuam.
Fronteira agrícola
Projeções do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) apontam que o crescimento da produção agrícola pode aumentar a área ocupada no Cerrado em até 51%. O dado acende um alerta para a região do Matopiba, formada por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, onde o desmatamento aumentou 52% na última década.
A questão é reforçada pela publicação da Nature Sustainability, que destaca que quase 25% da colheita de soja do Cerrado é plantada ali. O texto mostra ainda que a perda de vegetação tem contribuído para eventos climáticos extremos ao longo da última década e que as atuais altas taxas de conversão comprometem o futuro da produção agrícola.
“A perda tem contribuído para eventos climáticos extremos ao longo da última década, o que aumentou o fluxo de calor sensível na superfície, reduziu a evapotranspiração e os rendimentos das colheitas e ameaçou a viabilidade dos sistemas de cultivo múltiplo, além de agravar a concentração de terras e o endividamento dos agricultores.”
Políticas nacionais
Os cientistas defendem que o Brasil adote um posicionamento mais contundente para garantir a preservação do bioma, com regulamentação mais rigorosa; aplicação da lei para limpeza de vegetação em propriedades privadas; e investimentos na expansão e melhor monitoramento de áreas protegidas e terras indígenas.
“Este momento requer uma discussão diplomática baseada na natureza direcionada a reverter a negligência do Cerrado para evitar crises ambientais e socioeconômicas com repercussões internacionais”, avaliam.
Parte destes esforços pode ser materializada pelo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado), que tem lançamento previsto para outubro deste ano. A proposta do Governo Federal foi citada na carta.
“O PPCD está focado exclusivamente em reduzir o desmatamento ilegal. No entanto, o Cerrado possui mais de 30.000 km² de vegetação que ainda pode ser legalmente desmatada (excedentes da chamada reserva legal).”
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