Daniel Azevedo, especial para o Gigante 163
A pecuária brasileira pode silenciar boa parte das críticas que recebe em relação à sustentabilidade. Contudo, como diria o poeta, existe uma “pedra no caminho”. Ela é ruidosa e sem poesia: o arroto dos bovinos.
Sim, as eructações dos animais carregam o metano (CH4) e uma oportunidade valiosa já que ele é originado pela ineficiência da digestão de bois, touros, vacas e outros ruminantes.
“O metano é uma deficiência da digestão. Isso quer dizer que se o produtor reduzir as emissões, ele estará melhorando outros indicadores como conversão, prenhez, performance dos novilhos e outros”, disse Sérgio Medeiros, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, ao Gigante 163.
Em outras palavras, uma baixa geração de metano na pecuária não é apenas um bom indicador ambiental, mas também eficiência produtiva porque significa que o pasto ou a ração foram digeridos de maneira mais completa para efetiva nutrição dos animais.
Mais que isso. Esta eficiência também é um dos caminhos para o Brasil cumprir o compromisso assumido na COP 26, junto a 103 países, sobre reduzir em 30% as emissões do gás até 2030.
No mundo, a pecuária responde, segundo Real Instituto Britânico de Relações Internacionais do Reino Unido, por cerca de 16% das emissões deste gás, que é até 20 vezes pior que o CO2 para o clima, ou seja, 1 unidade de metano equivale a 20 unidades de dióxido de carbono.
Isso porque, apesar de ter concentração muito menor na atmosfera e se decompor 10 vezes mais rápido na atmosfera (12 contra 120 anos), metano é até 25 vezes mais eficiente na captura de radiação do que o CO2 e, assim, esquenta mais a atmosfera.
“A regra para cortar o metano é melhorar a digestibilidade da nutrição dos bovinos e reduzir o tempo até o abate. Nos dois casos, a alimentação dos animais é um dos principais fatores, seja pelos aditivos nutricionais, como também pela qualidade da pastagem”, conta o especialista.
Pecuária brasileira
A começar pelo pasto, o manejo pode conduzir os animais a ruminar melhores forrageiras e no período ideal e, assim, emitirem menos metano. Sabe-se que existe uma altura perfeita para o pastejo e não por estética.
A altura ideal varia entre as espécies, mas algumas das mais comuns no Brasil são as forrageiras Panicum maximum (Monhaça de 90 cm a 40 cm ou Tanzânia 70 cm a 40 cm), Pannisetum purpureum (Cameroom de 100 cm a 40 cm) e a Brachiária bizantha (Marandu 25 cm a 10 cm e Xaraés 30 cm a 15 cm)
Apenas neste aspecto, a melhor digestão dos animais já teria impacto significativo para a redução das emissões de metano. Para se ter ideia, estima-se que a cada 100 quilos de carne bovina produzida no Brasil, 98 originam-se em pastos.
A razão é o modelo de confinamento ser restrito a menos de 15% do rebanho nacional e, ainda, normalmente, apenas nos últimos 100 dias. Acredita-se que, inclusive, o modelo de gado a pasto, por si só, já seja mais sustentável pela maior capacidade das forrageiras em fixar carbono em suas raízes em relação a soja ou o milho.
“É uma questão cientifica, mas precisamos comprovar e demonstrar isso. Os sistemas radiculares das forrageiras são mais perenes e estáveis do que as culturas anuais. Esforços estão sendo feitos para demonstrar isso acima de qualquer dúvida. Em todo caso, sempre implica em uma pastagem bem manejada”, alerta.
Importante frisar, no entanto, que o metano (CH4) não pode ser fixado como ocorre com o carbono extraído por plantas do dióxido de carbônico (CO2) da atmosfera.
“A alternativa é reduzir o tempo de abate com aditivos que estão surgindo a partir de algas e outros produtos. Nós ainda conseguimos reduzir idade de abate no Brasil. Já a Europa precisará reduzir o rebanho”, afirmou Caio Penido, presidente do IMAC (Instituto Matogrossense de Carnes), ao Gigante 163.
Além do manejo
Algumas soluções nutricionais já existem e outras novidades despontam como alternativa para derrubar a geração de metano na pecuária. A própria Embrapa lançou, recentemente, a Brachiaria híbrida BRS IPY, que promete garantir a mesma digestibilidade e valor nutricional tanto na estação seca como no período das águas.
“Outro exemplo são os proteinados. A cada real investido, a expectativa é ganhar três em peso, além de menos tempo na engorda. É um ganha-ganha. Pasto de qualidade, aditivos para ganho de peso e redução dos ciclos aproximam a pecuária da emissão de GEE zero ou quase zero”, acrescenta Sérgio.
Mas se o foco é apenas a redução do metano, a intensa busca de algumas das principais linhas de desenvolvimento inclui algas e compostos secundários de plantas, que atuam no aparelho digestivo dos animais, evitando a formação do gás por transformar o hidrogênio em outros compostos.
Entre eles, está o novo produto da multinacional DSM conhecido como “Bovaer”. Segundo a própria empresa, o produto é um aditivo para ração de ruminantes, como bovinos, ovelhas e cabras.
O produto “suprime a enzima responsável pela produção de metano no estômago dos animais e reduz a emissão entérica do gás em aproximadamente 30%”, mas não a empresa não disponibiliza informações sobre os insumos para desenvolvimento do aditivo.
“De fato, este produto gerou uma grande expectativa no mercado e até já foi anunciado um acordo com a JBS. Ouvi falarem em até 90% de redução das emissões, enquanto a média do mercado é 30%. E não é de difícil adoção. A questão é quanto ele vai custar”, analisa o pesquisador da Embrapa.
Segundo ele, outros aditivos do tipo “ionóforos” geram redução menor nas emissões que, também, são difíceis de serem mantidas por muito tempo, apesar dos ganhos de desempenho.
“Para um produto ser economicamente viável, ele precisa reduzir o metano, mas também gerar ganho de desempenho, pois certamente acarretará mais custos. Caso contrário, será necessário haver um incentivo pelo metano não emitido. Daí dependerá do mercado”, prevê Sérgio.
Por sua vez, as algas têm resultados em nível de pesquisa “bem interessantes” e há pesquisadores entusiasmados com esta possibilidade que, certamente, poderá ter custos mais baixos.
Já os compostos secundários de plantas, continua o especialista, ainda apresentam inconsistências já que às vezes alcançam redução expressiva e outras não.
Solução curiosa
O tema da redução das emissões de gás metano desperta tanto interesse e atenção que, além da nutrição, outras soluções – algumas até curiosas – estão sendo cogitadas.
Em junho de 2021, a Cargill anunciou parceria com a startup britânica Zelp para produzir máscaras que absorvem o gás metano produzido por vacas. A tecnologia experimental deve chegar ao mercado já em 2022 na Europa.
O equipamento terá valor estimado em US$ 80 dólares no plano de assinatura anual e, segundo comunicado da empresa, reduz ao menos 53% as emissões do gás. Apesar de interessante, a operação complexa para instalação do dispositivo pode ser um entrave.