Por André Garcia
A Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) quer recategorizar formações vegetais com características de floresta, reinterpretando-as como pertencentes ao bioma Cerrado. A proposta reduz a porcentagem de área que precisa ser preservada em uma propriedade rural de 80% para 35%, colocando 14 milhões de hectares de floresta no estado sob risco.
A tentativa de flexibilizar as normas coloca o agronegócio em risco, tanto por fragilizar um bioma essencial para atividade quanto pela possível perda de mercado, já que a imagem do estado no mercado internacional pode ser afetada se a proposta for interpretada como um retrocesso ambiental. Em um cenário de pressão por práticas sustentáveis, o setor estaria caminhando na contramão da competitividade.
O texto dos parlamentares apareceu de surpresa, por meio de um substitutivo apresentado em cima da hora. O projeto original, PLC 18/2024, de autoria do Executivo, propunha apenas uma mudança na base dos dados para fins de aplicação do Código Ambiental do Estado. Considerado positivo por organizações ambientalistas, o Projeto de Lei Complementar foi apresentado em 22 de maio deste ano.
Conforme o Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), na quarta-feira 30/10, no entanto, um substitutivo ao texto passou a jato pelas comissões temáticas da Casa e foi a Plenário, tendo sido aprovado em primeira votação. O substitutivo altera significativamente a classificação oficial das tipologias de vegetação no estado.
Contradição
De acordo com o texto dos parlamentares, passam a ser considerados como pertencentes ao bioma Cerrado as savanas florestadas, conhecidas como “cerradão”, as florestas estacionais semideciduais, as florestas estacionais sempre-verdes e as áreas de transição entre diferentes formações vegetais, chamadas de ecótonos. Isso coloca em risco mais de 14 milhões de hectares de áreas em território mato-grossense.
“Esse PL significa a legalização de inúmeros desmatamentos ilegais em Mato Grosso, o que condiz com a fala do governador Mauro Mendes na COP da Biodiversidade, na Colômbia, de que é necessário acabar com a ilegalidade. É sim, mas não dessa forma como quase aconteceu, por meio de um substitutivo apresentado ‘magicamente’ e que inclui alterações graves, ilegais e inconstitucionais”, explica a consultora jurídica do Observa-MT, Edilene Amaral.
Denúncia pública
Segundo uma denúncia pública que está sendo elaborada por professores de instituições de pesquisa matogrossenses, entre elas a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e a Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat), a proposta da Assembleia Legislativa desconsidera mapeamentos oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e ignora metodologia científica nacional de classificação da vegetação brasileira, estabelecida no Mapa de Vegetação do Brasil, referência aprovada e adotada em todas as políticas ambientais e de gestão territorial do Brasil.
“Ignorar essa metodologia gera insegurança jurídica e permite interpretações distorcidas da classificação vegetacional, abrindo precedentes perigosos para a manipulação da cobertura vegetal em outros estados. […] A proposta representa um retrocesso no avanço da legislação ambiental e um grave risco à conservação dos ecossistemas brasileiros”, diz o texto prévio divulgado pelo ((o))eco.
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