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PPCerrado falha em solução para principal problema do bioma: o desmatamento autorizado

PPCerrado falha em solução para principal problema do bioma: o desmatamento autorizadoÁrea desmatada para plantio no município de Alto Paraíso (GO). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Por André Garcia 

Fraco em revisões para autorizações de desmatamento e detalhes sobre a articulação com os estados, o novo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado (PPCerrado) falha em apontar soluções para um dos principais problemas do bioma: a devastação amparada pela lei.

Como já mostrado pelo Gigante 163, a devastação ali é, em grande parte, autorizada, o que limita a fiscalização e leva à consecutiva quebra de recordes negativos. Para se ter ideia, a área de alertas de desmatamento no bioma cresceu 149% em setembro em relação ao mesmo mês de 2022. Altas também foram registradas em agosto e julho.

Às vésperas do encerramento do prazo para a consulta pública da versão preliminar do novo PPCerrado, que termina nesta sexta-feir, 13/10, especialistas reforçaram a questão ao Observatório do Clima. Para se ter ideia, um imóvel rural tem a obrigação de manter só 20% da vegetação nativa como Reserva Legal. Na Amazônia, a porcentagem é de 80%.

“Isso é muito preocupante porque o Cerrado é um bioma pouco protegido que está como uma taxa de desmatamento aceleradíssima”, diz a especialista em conservação da WWF-Brasil Ana Carolina Crisóstomo.

A atual versão do documento diz respeito à implementação da 4ª fase do PPCerrado. A anterior foi revogada em 2019 pela gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre 2012 e 2013, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), o Plano também foi interrompido.

Em seu segundo eixo, a proposta reconhece a quantidade relevante de emissão de Autorizações de Supressão de Vegetação (ASVs) e de Uso Alternativo do Solo (UASs) liberadas pelos estados e, possivelmente, irregular. Além disso, destaca que o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), é frágil.

Reconhecer estes problemas é visto como algo positivo pelos especialistas, assim como a proposta de monitorar melhor a liberação de novas autorizações. No entanto, para a diretora do Instituto Mãos da Terra (Imaterra), Margareth Maia, a crítica é referente à falta de uma proposta para rever o que já foi autorizado.

“Acho que faltou ousadia para propor um desmatamento zero no mínimo em algumas áreas mais críticas, além de rever as autorizações concedidas, fazer uma auditoria pelo menos em algumas áreas do Matopiba”, defende.

Já entre as propostas do quarto eixo é sinalizada a necessidade de melhor qualificar, monitorar e compensar o desmatamento autorizado, o que deixa dúvidas sobre como e onde poderão ocorrer compensações.

“Fiquei tentando entender como. Compensar como, com qual instrumento?”, questiona Maia.

Pontos fracos

Além da dificuldade para mudar o rumo do desmatamento autorizado, eles também destacam como pontos negativos da versão em consulta a falta de metas, prazos, metodologia e informações detalhadas sobre orçamento para implementar as ações. Também foi criticada a falta de especificação para atividades em diferentes áreas.

Um exemplo disso é o desenvolvimento de uma avaliação ambiental estratégica para identificar e recomendar o ponto de equilíbrio ideal entre a expansão e a consolidação da fronteira agropecuária no Matopiba e a conservação do Cerrado em uma extensão que garanta a capacidade de suporte hídrico, climática e de biodiversidade.

“A gente precisa de uma política extremamente forte, uma democracia participativa robusta para que instrumentos dessa natureza sejam de fato postos em prática. Senão é só mais um documento para legitimar as irregularidades que já existem e, se ele ficar bom, como já vi em alguns casos, ser engavetado”, comenta Margareth.

Berço das águas

Menos famoso que a Amazônia, onde o desmatamento vem apresentando quedas consecutivas, o Cerrado está presente em 14 estados e mais o Distrito Federal, cobrindo 23,3% do território nacional. A região é a mais biodiversa do mundo e tem mais de 4,6 mil espécies de plantas e animais que não são encontrados em nenhum outro lugar.

Também é lá onde nascem oito das 12 principais bacias hidrográficas do País, que abastecem milhares de cidades, a indústria e a própria agropecuária. São 3.427 nascentes que correm para a Amazônia, o Pantanal, a Caatinga e a Mata Atlântica.

Entre 2019 e 2022, a destruição da vegetação nativa no Cerrado representou mais de 40% de todo o desmatamento no país. No ano passado, a vegetação natural primária correspondia a somente 47% do bioma, sendo que as áreas de pastagem e agricultura somavam 30% e 15%, respectivamente, aponta o documento do PPCerrado.

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