Cerca de 300 hectares de mata nativa dentro da Terra Indígena (TI) Parabubure, a 610 km de Cuiabá, foram desmatados pela prefeitura de Campinápolis. Sem licença ambiental, a ação, justificada pelo cultivo de grãos, contou com apoio do chefe da Coordenadoria Regional Xavante Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Governo de Mato Grosso, que cedeu máquinas agrícolas e combustível.
Ocorrido entre março e abril, o desmate foi identificado por agentes locais da Funai, segundo despacho do Serviço de Gestão Ambiental e Territorial (Segat) da regional Xavante, obtido pela Repórter Brasil, autora da reportagem exclusiva sobre o assunto. A ação é questionada por servidores que atuam na fiscalização e apontam possível crime ambiental.
“Este Segat desconhece qualquer atividade autorizada de desmatamento na referida área”, diz trecho do documento, que considera a situação “grave”. Além disso, segundo apurado, “os tratores presentes no local do desmatamento estão identificados com adesivos do governo do Estado de Mato Grosso”.
O secretário de Assuntos Indígenas de Campinápolis, Epaminondas Conceição da Silva, admitiu ainda que houve abertura de estradas para chegar ao local, feitas também sem aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Crime ambiental
A prefeitura reconhece que desmatou o local sem autorização do Ibama, mas diz que a licença ambiental não seria necessária, pois a ação faz parte de uma política do governo Jair Bolsonaro (PL) de implementar lavouras mecanizadas em terras indígenas e teria o apoio da Funai e das secretarias de Meio Ambiente e Agricultura de Mato Grosso.
Importante destacar que o Estado é governado por Mauro Mendes (União Brasil), um dos governadores mais próximos de Bolsonaro, ambos candidatos à reeleição em 2022 e entusiastas do plantio mecanizado em TIs.
Desmatar áreas protegidas como terras indígenas é ilegal, a menos que haja autorização do Ibama, segundo a lei 140/2011. O órgão ambiental publicou em 2018 norma que lista uma série de atividades que dispensam o licenciamento em terras indígenas, como construção de moradias e abertura de roça não mecanizada.
Nova instrução abriu brecha
Na gestão Bolsonaro, a Funai e o Ibama expediram nova instrução que abriu brecha para não indígenas explorarem essas áreas, mas apenas se eles fizerem parte de organizações mistas compostas majoritariamente por indígenas. O texto estabelece ainda que os indígenas sejam os empreendedores e beneficiários principais das iniciativas, e que as associações fiquem responsáveis por pedir autorização ao Ibama.
Na TI Parabubure, contudo, tais exigências não foram respeitadas. A implantação da lavoura foi proposta pela prefeitura de Campinápolis, que decidiu também por conta própria retirar a mata sem o aval do Ibama, usando servidores municipais e com apoio do governo estadual. Segundo o secretário Epaminondas, a área foi desmatada para o plantio de milho, arroz e algodão.
Outro lado
Questionado sobre o desmatamento sem aval do Ibama, o governo de Mato Grosso informou que cedeu as máquinas a Campinápolis e que sua utilização é “inteira responsabilidade” da prefeitura. Procurados para comentar as possíveis irregularidades, o Ibama e o Ministério Público Federal em MT não se manifestaram.
O chefe da Coordenadoria Regional Xavante da Funai, Álvaro Peres, capitão aposentado do Exército, diz conhecer e apoiar o projeto em Parabubure, “mas apenas do ponto de vista administrativo”, o que inclui consultoria aos indígenas para formalizar a cooperativa. Ele não comentou sobre as suspeitas de violação ambiental.
Já a sede da Funai em Brasília disse que a regional Xavante “acionou os órgãos competentes, entre eles o Ibama, para apuração dos indícios de desmatamento identificados pela fundação durante os meses de março e abril de 2022”. O órgão não comentou sobre o apoio do chefe da regional ao projeto.
A Terra Indígena Parabubure
Parabubure é parte do que restou do território original Xavante, que até 1940 ocupou quase toda porção central de Mato Grosso. A TI faz parte de um conjunto de seis territórios demarcados na década de 1980, e tem ao todo 224 mil hectares (2.240 km²), incluindo as TIs Areões, Pimentel Barbosa, São Marcos, Sangradouro e Marechal Rondon.
De acordo com relatos dos indígenas, a área derrubada ameaça locais sagrados para a etnia, como a Lagoa Encantada e a caverna “Amre Danhoroã”, em razão da proximidade e dos possíveis impactos gerados pela lavoura.
Além das violações ambientais, o plantio de grãos em Parabubure carece também de apoio da maioria dos indígenas que ali vivem, já que o cacique Amércio Owedeiwawé, um dos poucos a aceitar o projeto. Ele reconhece que apenas 20 das 176 aldeias de Parabubure manifestaram interesse na iniciativa.
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