Por André Garcia
Com o título “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, um relatório revela de forma inédita o nome de pessoas físicas e jurídicas por trás de 1.692 casos de sobreposição de fazendas em territórios delimitados pela Funai.
De multinacionais com sede em outros países a investidores estrangeiros, as conexões se espalham por 14 países, afirma o documento, que foi produzido pelo núcleo de pesquisas do observatório De Olho nos Ruralistas.
Entre as gigantes do setor figuram Bunge, Amaggi, Bom Futuro, Lactalis, Cosan, Ducoco e Nichi, além de bancos e fundos de investimento como Itaú e Bradesco XP, Gávea Investimentos, IFC e Mubadala.
A partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o estudo revela que Mato Grosso é o estado brasileiro com a maior área de fazendas sobrepostas , com 371,5 mil hectares. O número corresponde a 247 sobreposições e foi apontado
O levantamento mostra que as 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas correspondem a 1,18 milhão de hectares, uma área do tamanho do Líbano. Deste valor, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação.
Os setores de grãos, carne, madeira, açúcar, etanol e fruticultura são os principais responsáveis pelas sobreposições. O dado está relacionado a outro problema grave: entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas.
De acordo com a publicação, conflitos territoriais e assassinatos de líderes indígenas seguem o rastro das sobreposições. Como já mostrado pelo Gigante 163, esta combinação pode prejudicar o avanço do agronegócio mato-grossense, já que compromete sua credibilidade no exterior.
Além disso, o quadro de violência e de crise humanitária faz com que empresas deixem de investir na Amazônia por questões de reputação. Isso porque os critérios ESG (Meio ambiente, social e governança – em tradução do inglês) estão se tornando cada vez mais rígidos.
Participação direta do agronegócio
A partir de um enfoque econômico, a pesquisa detalha a participação direta do agronegócio nessa invasão sistêmica. E não somente pela pressão política contra as demarcações — encabeçada, em Brasília, pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), e pelo ecossistema de associações e grupos de lobby que a sustentam.
O setor mobiliza recursos para travar processos na Justiça e impedir o reconhecimento de novos territórios, enquanto lucra com sua exploração econômica. Entre as áreas de imóveis rurais sobrepostas em terras indígenas, 18,6% são atualmente destinadas à produção agropecuária.
Desse total, 55,6% são ocupados por pasto, isto é, 123.098,91 hectares — uma área equivalente à cidade do Rio de Janeiro. Outros 34,6% da zona de uso agropecuário incidente em TIs é coberta por soja, somando 76.498,55 hectares.
Encontram-se nesses setores alguns dos principais casos mapeados, como a sobreposição da trading estadunidense Bunge sobre a TI Morro Alto, em Santa Catarina, ou de sócios dos grupos Amaggi e Bom Futuro nas TIs Tirecatinga e Enawenê-Nawê, em Mato Grosso.
Entre os pecuaristas estão fornecedores da gigante JBS, com incidência em duas terras indígenas na região Centro-Oeste; além de nomes “estrelados” do mercado financeiro. É o que afirma o diretor do observatório, Alceu Luís Castilho.
“É o capital nacional e internacional, legal ou ilegal, que assina a violência. O planeta que olha para o Brasil a cobrar a preservação da Amazônia é o mesmo planeta que precisa conhecer melhor quem financia as destruições”, diz.
Fazendas avançam mais sobre terras em demarcação
Das 1.692 sobreposições reveladas pelo relatório, 452 ocorrem sobre TIs homologadas e regularizadas. Isto é, constituem crime federal, com base no artigo 246 da Lei de Registros Públicos e no Estatuto do Índio.
Deste grupo, 112 fazendas ultrapassam 10 hectares de sobreposição; 29 estão acima de 100 hectares e onze acima de mil. Em Mato Grosso, a Propec Agropecuária, dona da Fazenda Conceição, alcança 174 hectares da TI Japuíra, em Juara (693 km de Cuiabá). A empresa faz parte do grupo Protege, um dos maiores conglomerados de segurança do Brasil.
Quem ganha com a soja produzida nas TIs de MT?
Embora grande parte dos conflitos e da violência se concentre na ponta local — garimpeiros, madeireiros e pistoleiros a mando de latifundiários —, é nos centros de poder do agronegócio, dito “moderno”, que se concentram os lucros desse modelo agroexportador.
Como também já mostrado pelo Gigante 163, alguns desses grandes produtores e empresas sujam a reputação do agronegócio em Mato Grosso e reforçam as denúncias que atrelam a destruição ambiental e o conflito com povos originários ao setor.
Práticas do tipo têm dificultado o reconhecimento de agricultores e pecuaristas que produzem seguindo a lei e de acordo. Isso porque os dados acabam apontando para um cenário geral de negligência, o que tem impedido a captação de milhões de dólares em recursos estrangeiros pelo Estado.
Também são figuras como estas que endossam falas de ambientalistas contra o setor, que perde a oportunidade de mostrar ao mundo seriedade e responsabilidade. Assim, com a recusa dos grandes em dar bom exemplo, tem sobrado para a maioria, formada por pequenos e médios produtores, arcar com essa dura missão em Mato Grosso.
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