Por André Garcia
O casal de empresários goianos Mireylle Fries e Bruno Almeida Souzae e seus dois filhos, que nas últimas horas ganharam destaque em todo o País por sobreviverem a um acidente aéreo no litoral paulista, na quinta-feira, 9/11, fazem parte de uma família de produtores rurais conhecida em Goiás por sua atuação sustentável no agronegócio.
Um exemplo disso é a participação no Projeto Nascentes, que há mais de duas décadas recupera mananciais, lagos e matas ciliares degradadas. A ação é desenvolvida pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (DEMA) em parceria com fazendeiros e instituições locais.
A partir da identificação de zonas risco, do plantio de espécies nativas e da proteção de matas ciliares, a proposta vem mudando a realidade de áreas antes tomadas por erosões, lixo e desmatamento. Na propriedade da família Fries, no município de Mineiros, o trabalho começou em 2002.
“Fui para lá para conhecer a voçoroca Chitolina e também o trabalho que já teriam realizado, mas só tinha uma placa. O Milton Fries [patriarca da família] estava desesperado”, contou o delegado Luziano de Carvalho em entrevista ao G1.
Segundo ele, à época, o produtor recebeu outras propostas para a recuperação da área, mas os números inviabilizaram a ação: eram R$ 35 milhões por um trabalho que envolveria o soterramento da erosão com 50 mil caminhões de terra. Foi aí que surgiu o Nascentes, com um projeto realista que foi seguido à risca pelos produtores.
“Plantamos algumas árvores, isolamos a área, fizemos o terraceamento necessário e hoje o trabalho é modelo para o mundo. Hoje, está lá, totalmente recuperada, estabilizada, bem como também as nascentes”, destacou Luziano.
Corredor ecológico
Conhecida pela produção de soja, a família também foi responsável pela restauração de um corredor ecológico no sudoeste goiano. Como já mostramos, esses corredores são faixas contínuas de vegetação nativa que conectam áreas naturais fragmentadas, promovendo a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas.
A estratégia é fundamental para a proteção das nascentes, uma vez que o solo coberto por uma vegetação densa possui maior capacidade de infiltração de água, permitindo a recarga dos aquíferos e mantendo o fluxo das nascentes. Além disso, a vegetação nativa atua como um filtro natural, retendo sedimentos e poluentes.
“Foi criado um corredor ecológico entre as nascentes do Araguaia e o Parque das Emas. Um trabalho nosso, do Milton e da Mireylle, que mesmo criancinha, já participava muito”, lembrou o delegado.
Caixa d’água do Brasil
Exemplos como o da família Fries precisam se multiplicar no Cerrado para assegurar a sobrevivência do bioma, que funciona como uma grande caixa d’água para todo o Brasil. Nada menos do que 8 das 12 bacias hidrográficas nacionais brotam ali, fornecendo 40% de toda a água doce do País.
Mas um cenário de falta de chuva e de baixas constantes no volume das bacias hidrográficas ameaçam grande parte das 131.991 das nascentes e reservatórios naturais dali. Situação que coloca em jogo o futuro do ecossistema, a segurança climática e a continuidade do agronegócio, principal atividade econômica da região.
Um estudo do Instituto Cerrados em parceria com o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), por exemplo, aponta queda de 15% na vazão dos rios no bioma entre 1985 e 2022. A análise do comportamento de 81 bacias hidrográficas evidencia ainda que o ecossistema pode perder 33,9% dos fluxos de seus rios até 2050.
O acidente
Mireylle Fries, o marido Bruno Almeida Souza e seus dois filhos saíram de Mineiros com destino a Ubatuba, em São Paulo. O avião em que eles estavam explodiu após uma aterrissagem mal sucedida. Apesar de a família ter sido levada ao hospital em estado de saúde estável, o piloto Paulo Seguetto morreu no acidente.
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