Por André Garcia
Líder na produção de commodities e destaque em exportações, Mato Grosso ainda convive com altos níveis de brutalidade contra os povos indígenas. O cenário, além de não combinar com o agronegócio, pode passar de problema social para prejuízo na balança comercial. Esta é a reflexão proposta pelo Gigante 163 no Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas.
A matemática é simples. Estas comunidades são reconhecidas internacionalmente como as principais barreiras de contingência no enfrentamento ao desmatamento, desmatamento este que é critério número tanto para os acordos de captação de recursos quanto para os contratos de exportação.
Vide lei de importação de produtos com risco florestal (FERC – Forest and ecosystem-risk commodities) da União Europeia, que endureceu exigências sobre a origem dos produtos vendidos ao bloco. A norma está em período de transição e o Parlamento Europeu não descarta inserir critérios de proteção indígena nas suas próximas revisões.
Há que se considerar ainda que, como já noticiado pelo Gigante 163, o quadro de violência e de crise humanitária faz com que empresas deixem de investir na Amazônia por questões de reputação. Isso porque os critérios ESG (Meio ambiente, social e governança – em tradução do inglês) estão se tornando cada vez mais rígidos.
Mau negócio para Mato Grosso, que ocupou, por exemplo, o terceiro lugar no País em mortalidade de crianças indígenas de 0 a 5 anos, com 106 casos, em 2021. Dentre as principais causas estava a desnutrição proteico-calórica grave, o que leva a pergunta: como o maior produtor de alimentos do país permite que crianças morram de fome?
Os dados são do Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil” do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e mostram que o Estado também é o segundo em conflitos por direitos territoriais indígenas (16), o que inclui fraudes no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e certificação de propriedades privadas sobre Terras Indígenas (TIs).
Com relação às invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, como destruição de moradias, cercas, barracas e casas, o Estado é o sexto colocado. Então, para que a defesa de terras e direitos de comunidades tradicionais seja encarada pelo Estado como ativo econômico, há muito o que fazer.
Alerta para MT
Considerando este cenário, é impossível não mencionar a tragédia Yanomami, que tomou os noticiários com imagens chocantes de morte e doenças. O caso veio à tona em Roraima, mas acendeu um alerta para Mato Grosso, onde o garimpo, atividade diretamente relacionada às graves denúncias, já abriu caminho.
Ligada à contaminação da água e ao crime organizado, a atividade tem mais força na região da Amazônia mato-grossense. Em 2021, por exemplo, mais da metade de ouro comercializado no Brasil (52,8 toneladas) tinha graves indícios de ilegalidade. Do total, 61% saiu da Amazônia, sendo Mato Grosso o líder do ranking, com 16 toneladas.
Os números são do Instituto Escolhas, que sistematiza estudos sobre mineração e uso da terra e apontam ainda que esta comercialização ocorreu, majoritariamente, no entorno das TIs Areões, Pequizal e Vale do Guaporé, situadas entre Rondolândia, Colniza e Aripuanã.
Este último, não por coincidência, é um dos líderes de devastação e ocupa a 10ª colocação entre os municípios mais violentos do Brasil, sendo também o mais violento do Estado, segundo o Anuário de Segurança Pública. Com população de 23.067 habitantes, lá a taxa média de mortes violentas intencionais é de 118,7.
Isso evidencia a relação entre os setores e mostra como a condução destas questões pode gerar lucro ou prejuízo. Logo, para embasar as cobranças por reconhecimento e investimentos na agro, amplamente defendidas pelo governador Mauro Mendes, é preciso repensar também as políticas públicas voltadas ao garimpo e às TIs.
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