A multinacional Cargill mudou a forma como rastreia a origem da soja que comercializa, adotando 2020 como nova data de corte para definir áreas livres de desmatamento. A decisão, sinalizada em seu último relatório de sustentabilidade, esvazia a principal regra da Moratória da Soja, que até então seguia o marco de 2008.
No ano anterior, quando seguiu a data de corte de 2008, prevista pela moratória, a companhia estimou em 94% o índice de grãos produzidos em áreas livres de novos desmatamentos. No último relatório, porém, a porcentagem de soja produzida em locais livres de novos desmatamentos subiu para 99,3%, segundo a Cargill.
A mudança, divulgada em dezembro, ocorre em meio a pressões do setor agropecuário e pode favorecer produtores que desmataram após o antigo limite. Na prática, ela esvazia a principal regra do pacto e abre espaço para a compra de grãos cultivados em terras desmatadas.
“Ignorando a moratória, a Cargill tem a permissão para comprar soja de milhões de hectares desmatados após 2008, beneficiando grandes empresários do setor que pressionam para o fim do acordo”, explicou à Repórter Brasil o especialista em conservação Tiago Reis.
Julgamento no STF
A mudança de posição acontece em meio a uma ofensiva contra a moratória que tem avançado no Congresso Nacional, em Brasília, e nas assembleias legislativas de estados da Amazônia Legal. Mas, antes mesmo da decisão final do Supremo, contudo, a multinacional já acena com o afastamento do compromisso.
Nesta semana, o STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar a constitucionalidade de uma lei estadual aprovada recentemente no Mato Grosso que, atendendo a produtores locais, impede a concessão de incentivos fiscais a empresas signatárias do pacto, como a Cargill.
Em resumo, parlamentares ruralistas e lideranças de sojeiros alegam que as regras da moratória, que vedam as compras de áreas desmatadas após julho de 2008, se sobrepõem ao Código Florestal (2012), que permite que até 20% de uma propriedade rural no bioma amazônico sejam desmatados para atividades econômicas.
Histórico
A nova data adotada pela Cargill não é uma escolha aleatória. Trata-se do novo limite estabelecido pela lei europeia antidesmatamento (EUDR, o Regulamento da União Europeia sobre Produtos Livres de Desmatamento), que impede a entrada no mercado europeu de produtos provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020.
Vale destacar ainda que, apesar de sua relevância, a moratória já foi desrespeitada em outras ocasiões. Investigações da Repórter Brasil já revelaram que tanto a Cargill como outras empresas signatárias compraram soja de produtores com área embargada (de uso proibido) por órgãos ambientais.
Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), que representa as tradings agrícolas, como a Cargill, reconheceu a importância da moratória, mas afirmou que o pacto tem enfrentado “desafios significativos”, incluindo a instauração de um inquérito administrativo pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
“As empresas associadas à Abiove não estão fazendo qualquer pressão sobre a associação. São as novas legislações estaduais que estão pressionando a Moratória da Soja, para que esta seja, eventualmente, compelida a realizar mudanças”, afirma a Associação, que ressaltar estar aberta ao diálogo.
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